1899 . Manaus fervia. Ainda repercutiam no seio da amazoneidade de então os ardores da guerra de Canudos na qual o Amazonas se fez presente na destruição do arraial, em nome da brasilidade que imperava. Um equívoco que anos mais tarde ficou claro.
A economia prosperava. As associações de classe se impunham nas discussões dos temas de interesse regional, a navegação para o exterior crescia embora contasse com a fragilidade do Trapiche 15 de novembro. A época poderia ser chamada de era da borracha com as exportações sendo feitas diretamente dos portos de Manaus e de Belém, quando os serviços de linhas telegráficas começavam a ser cogitados na ligação entre as duas capitais do norte brasileiro por via aérea e parte sub-fluvial.
Era governador do Estado do Amazonas o coronel José Cardoso Ramalho Junior que sucedia a Fileto Pires Ferreira, completando-lhe o mandato, tomado abruptamente por uma renúncia que ainda não foi explicada. As obras de urbanização e modernização da cidade caminhavam em ritmo diverso daquele que sucedera sob o comando do governador maranhense e capitão de engenheiros, Eduardo Gonçalves Ribeiro (1892-1896), mas, mesmo assim, eram grandes as modificações a assinalar, diante de um casario simples e da vida modesta, de anos anteriores.
Naquele ano o escritor Coelho Neto visitou a capital amazonense. Passados tantos anos pode ser mostrado com a rudeza da vida como um homem afeito aos grandes saraus, às boemias, bem à moda do seu tempo, idealista, pobre, preso ao heroísmo, capaz de ser animado pelo ideal do abolicionismo e da república. De outro lado encontramos o romancista, jornalista capaz de produzir as notícias mais leves e tratar dos temas mais profundos, às vezes até gongórico, assim como o professor, o orador pronto para dar cor às instituições culturais e ao parlamento, mais também o conferencista, o poeta, e o poeta que se fez pela manifestação popular.
Seu nome de batismo é singular: Henrique Maximiano Coelho Neto, filho de português e índia, Antonio da Fonseca Coelho e Ana Silvestre, portanto um legítimo mameluco, nascido em Caxias, a margem do Itapicuru. Estudou com seu tio, chamado Rezende, guarda-livros cioso das obrigações e já aos sete anos estava na corte, estudando humanidades no Colégio Jordão e depois na Faculdade de Direito de São Paulo, cidade em que estava desde 1883 onde se encontrou com Raul Pompéia com quem, segundo ele mesmo afirma, começou a escrever. Depois foi para a cidade do Recife onde prestou exames no primeiro ano de Direito, chegando a colaborar na Folha do Norte daquela cidade, de Martins Junior, e quando se aproximou de Tobias Barreto. No ano seguinte estava de novo em São Paulo e em 1885 estava no Rio de Janeiro, motivado por José do Patrocínio, aliando-se com firmeza na campanha abolicionista, escrevendo no jornal Gazeta da Tarde.
Foi um esbanjador, a produzir sem cessar, capaz de amar e amar a esposa, ser boêmio, resistir aos apelos do livreiro em comprar barato os direitos de alguma obra, escrever obras completas e trechos curtos com precisão de obras longas, mas de todos podem ser destacados em qualquer apreciação: Miragem, o drama da miséria humana, Rei Negro, o drama da escravidão, uma epopéia em prosa; e, O Sertão, pensando paisagens longínquas, vestidas de alta dramaticidade. É que manejava bem as palavras sem perder o ritmo. Orador, e grande orador.
Em Manaus esteve no Hotel Cassina, do súdito italiano Andréa Cassina, na esquina das ruas Governador Victório e Enrique Antony, na praça de d. Pedro II, antigo largo da Trincheira, onde hospedou-se para conhecer a cidade e seus ricos tempos de mundanismo social mais eloqüente. O mesmo em que hospedara-se, no tempo das lutas pelo território do Acre, o grande militar brasileiro Plácido de Castro. No Teatro Amazonas fez ressoar suas idéias em bela conferência.
Ao visitar o Hospital da Sociedade Beneficente Portuguesa, já sediado na avenida de Joaquim Nabuco, mas sem a solenidade do prédio de agora, deixou assentado no livro de registro de visitantes ilustres um reconhecimento ao povo luso pelo espírito de apoio aos sofrimentos humanos: bem haja o povo que faz da sua bandeira uma verônica para enxugar o pranto dos desamparados.
De sua passagem por Manaus restaram também as amizades próximas que construiu, notadamente com Pericles Moraes, já escritor, e depois um dos fundadores e presidentes da Academia Amazonense de Letras, que se tornou um dos estudiosos de sua obra, publicando livro especial, mantendo correspondência íntima e pessoal. Desta relação pode-se encontrar na Biblioteca Pública do Amazonas vários livros oferecidos por Coelho Neto ao grande Péricles, como foram recolhidos da sua coleção particular. A tal ponto chegou a admiração e o respeito que Coelho Neto fez editar uma das obras de Pericles de Moraes.
A imprensa de Manaus era pródigo da naquele ano. Novos periódicos circularam: O Anunciador Comercial, Manaus, Diário de Noticias, O Rio Mar, O Índio, A Tesoura, O Buscapé, a Platéa, O Monóculo, O Propagador, O Pão, O Papagaio, Pátria, ao lado de outros que já chegavam às mãos de ávidos leitores, mas ainda era uma cidade pacata, com intensa vida noturna a fazer inveja a outros centros.
ARQUIVO NOVO PARA CONFERÊNCIA
Coelho Neto
Fez 3 viagens ao Norte (1899, 1918 e 1923), ao Pará, Maranhão e Manaus.
“Diário de Notícias, de Manaus, de 12.08.1899. Chegou a Manaus em 11 de agosto e hospedou-se no Hotel Cassina”.
“Comércio do Amazonas” de 18.08.1899, fala do discurso que proferiu.
Viajou de Vitória até Manaus (1899), fazendo mais de 100 discursos de improviso.
Ver: Humberto de Campos: “Memórias Inacabadas” – Viagem de 1899.
Foi Correspondente da AAL.