Estava no governo do Amazonas o médico Jonathas de Freitas Pedrosa que, de seu lado, resolveu enfrentar a questão de limites com o vizinho estado desde a posse. Era problema antigo, reivindicação complexa, animada por interesses os mais diversos, para a qual os dois governos desde 1899 vinham se utilizando de juristas renomados, estudos de historiadores, cartas, mapas antigos, atos imperiais e provinciais. O que o Amazonas propunha era a definição de um “modus vivendi ” na região dita amazonense e que o Pará tornara litigiosa. Furtado Belém agiu como delegado do Amazonas junto ao governo e à Justiça Federal no Pará. Era matéria amplamente tratada na Mensagem do Governo Antônio Bittencourt de 1910, no livro Limites Orientais do Estado do Amazonas, de Furtado Belém, nos trabalhos de José Veríssimo e Arthur Vianna.
Pelo Pará o dr Barroso Rebello recebia incumbência expressa do governador Enéas Martins para estudar o assunto. Juntos, os representantes dos dois estados chegaram a uma fórmula de entendimento a ser firmada entre os seus governos, mas ao que se lê das informações prestadas pelo representante amazonense diretamente ao Governador Jonathas Pedrosa, a intransigência do governador paraense impedia a consolidação dos entendimentos técnicos. Depois disso o Amazonas ingressou com a competente ação junto ao Supremo Tribunal Federal .
Da intransigência paraense, diz o governador Pedrosa em sua Mensagem a Assembléia Legislativa, de 10 de julho de 1916,
“….A permanência deste estado de coisas graves prejuízos acarreta ao Amazonas, sendo impossível, como vistes, demover o exmo. sr dr Enéas Martins da intransigência e intolerância com que havia encarado os direitos deste estado e da impassibilidade com que havia recebido as mais justas reclamações do meu Governo, demonstrando por seus atos, haver esquecido o “statu-quo” solenemente prometido pelo seu antecessor sr. dr. João Antônio Luiz Coelho, em 1909”.
Enéas Martins pretendera mesmo dominar a região do antigo litígio, inclusive pelas armas e com a criação de municípios paraenses.
No curso do governo visitou Cametá, sua cidade natal, e teve uma recepção estrondosa, sob os acordes da filarmônica, regida pelo seu velho amigo e maestro Izidoro Castro que executou o hino nacional e, a seu pedido, quando ainda na murada do navio, fez ressoar os acordes da música “Linda Flor”.
Padeceu politicamente e parece ainda não ter recebido do povo paraense as honras e o reconhecimento comuns a homens públicos de valor, especialmente pelo rompimento com as forças políticas que o elegeram, e rompimento que aconteceu independente de sua participação. O Partido Conservador, que era liderado por Pinheiro Machado provocou despeito do Partido Federal e incitou o rompimento, lançado com violento artigo de Paulo Maranhão no jornal a Folha do Norte, sob o título A você, Enéas, seguido de uma agressiva oposição cotidiana. Sofreu agressões de toda a ordem e para o jornal que comandava esta campanha, era
“perdulário e sibarita, divertia-se com a fome do funcionalismo, com o atarantamento de seus conterrâneos, nos banquetes do Itamarati, que oferecia a visitantes ilustres “
Sem um jornal que pudesse defendê-lo, ficou exposto, e também parece ter sido displicente em sua própria defesa.
Maranhão, que comandou todos os ataques contra o governador havia sido repórter do jornal A República, antigo órgão de propriedade do pai de Enéas Martins, que o fez chefe do jornal e redator, em lugar do próprio filho. Sua campanha contra o agora Governador valeu o cargo de secretário da estado da Instrução Pública e larga carreira na política e administração pública, como senador estadual, diretor da recebedoria de Rendas e deputado federal nos períodos de 1924/27 e 1930/33. Sendo perseguido depois pelo governador Barata, foi vencido em 1950. Faleceu com 94 anos, em 19 de abril de 1966, depois de enfrentar a revolução militar de 1964.
Vencendo o seu mandato, Enéas indicou para sua sucessão Silva Rosado, antigo amigo e correligionário, mas o Partido Federal lançou Lauro Sodré que, além de forte liderança local era amigo do presidente Wenceslau Brás e o governador Enéas Martins não pode contar com o apoio de Pinheiro Machado que faleceu em 8 de setembro de 1915. Com todas as dificuldades, tudo indicava a vitória do candidato governista, pelo resultado das urnas no interior que davam larga vitória a Rosado, e a pequena margem de vitoria de Sodré na capital. Os amigos de Sodré preparavam então uma enorme agitação militar para forçar a vitória. Alertado pelo chefe de Polícia, Newton Burlamaqui, dos movimentos de oposição e reação militar que caminhavam para a sua deposição, não concordou com nenhuma reação do governo, mostrando a seu interlocutor um exemplar de Imitação de Cristo que lia com regularidade. Não acreditava no movimento porque Lauro Sodré tivera apenas 27 por cento dos votos.
A Brigada sublevou-se, coagiu os deputados e 33 dias antes do término de seu mandato, Enéas foi deposto pelas forças da Brigada Militar do Estado, a 27 de dezembro de 1916, sendo obrigado a refugiar-se no Arsenal da Marinha com a mulher e o filho. Tal circunstância levou à proclamação de Lauro Sodré como governador. O mesmo que convivera com Silva Rosado na fase de propaganda republicana e na fundação do Partido Republicano do Pará.
O resultado das urnas era o seguinte: Silva Rosado tivera 29.774 votos e Lauro Sodré 11.525. Somente na capital Lauro Sodré tivera 250 votos a mais e por força da ação militar empreendida, a eleição do interior foi anulada.
De nada valeu sua posição de confiança na Brigada, aliás por ele homenageada pela ação em Canudos no dia 25 de setembro de 1916, com medalha conferida a todos os heróis, autorizada pelo decreto nº 3.143. Nas lutas morreu o tenente Raimundo Gaspar Nonato e ficaram feridos o capitão Napoleão Jansen de Sá Meirelles e o tenente-coronel Arthur Claudino de Barros.
A revolta militar de 27 de dezembro de 1916 contra o seu governo o fez refugiar-se no Arsenal e renunciar ao mandato governamental para dali seguir viagem para o Rio de Janeiro no vapor Minas Gerais, na madrugada do dia 14 de janeiro de 1917.
Na dia 31 de dezembro de 1916, um boletim espalhado em grande quantidade na cidade de Belém, denunciava problemas os mais variados no governo do Estado e assegurava a deposição do governador Enéas Martins. Dele constava o seguinte trecho, conforme referido por Ernesto Cruz na sua História do Pará,
“As forças revolucionárias, quer as de caráter militar, quer as de caráter civil, asseguram à população que pode continuar tranquila no exercício de sua vida ordinária. Expulso o dr. Enéas Martins do cargo que enxovalhava e do qual estava indignamente se utilizando para fins de improbidade e para fins de violência contra cidadãos inermes e famílias indefesas, ao lado de assassinos e espoliadores conhecidos, que se aparelhavam de novo para dominar e oprimir o povo e as forças que iniciaram a obra de salvação comum, tem como principal dos seus deveres manter a ordem em toda a sua plenitude, garantindo aos habitantes da cidade, sem exceção, o gozo da tranquilidade de que já se estavam privados dentro e fora de seus lares. “
No governo, desde 8 de janeiro, ficou o desembargador Augusto Rangel de Borborema que transmitiu o cargo a Lauro Sodré em 1º de fevereiro de 1917.
Eram muitos os desacertos, na opinião do jornal partidário de seus opositores, especialmente a Folha do Norte de 16 de janeiro que publicou a lista de 110 pessoas que padeciam por ordem do governador, além de boletim distribuído em 31 de dezembro de 1916 que denunciava erros do governo e espancamentos de pessoas contrárias aos dirigentes do Estado, portanto ao grupo de Enéas Martins.
Há quem afirme que Enéas Martins, quando no governo, falhou ao tentar contentar a todas as forças políticas e partidárias do Pará e sofreu com Paulo Maranhão que era seu amigo e afilhado, e com Ciprinao José dos Santos que era laurista, das mesmas raízes de Enéas.
Do governo de Lauro Sodré há registros de graves dificuldades financeiras, por aguda crise econômica, pela peste da gripe espanhola que assolou o Estado de outubro a dezembro de 1918, matando milhares de pessoas em Belém e por todo o interior. Mesmo assim, ao fim do mandato de grande aperto, foi eleito Senador da República cargo que exerceu de 1921 a 1930, quando da eclosão do movimento getulista.
Na Academia paraense
Desde os primeiros tempos de 1889 Enéas sonhava com a criação da Academia Paraense de Letras ao lado de Alvares da Costa – o principal idealizador – e Arthur Lemos. Integrou o grupo dos fundadores em 1900, mas a instituição logo depois silenciaria para renascer em 1913, vivendo a seguir novo tempo de resguardo para reviver 15 anos depois, com novo eclipse em 1931 e renascer pujante e definitiva em 1936.
Na sua cadeira, a de número 14, tomou assento Raimundo Moraes, o escritor e viajante da Amazônia, autor de importantes trabalhos, seguido de Manuel Pernambucano Filho empossado a 31 de maio de 1938, mas seu fundador definitivo foi Luiz Barreiros. Em 1971 estava eleito Carlos A Mendonça, empossado em 16 de novembro de 1973.
A Morte
Levado ao ostracismo político e residindo no Rio de Janeiro, um ano e meio depois da deposição do governo do Estado veio a falecer a 2 de julho de 1919, com apenas 47 anos de idade, deixando a família em precárias condições financeiras. Foram graves as dificuldades porque passaram sua mulher Cassilda e seu filho Enéas. Era tal a penúria que deixara as jóias de família em penhor vencido de 70 contos de réis, depois resgatadas pelo seu amigo e senador José Porfírio, que as devolveu à viúva.
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