Cametá, 6 de janeiro de 1872.
Tudo começou com Frei Cristóvão de São José, da ordem de Santo Antônio, em 1625. Era Capitania de Feliciano Coelho de Carvalho em 1634 e no ano seguinte Vila Viçosa de Santa Cruz de Cametá.
Com tons de modéstia a cidade do interior paraense serviu de berço a Enéas Martins, filho de Raimundo Joaquim Martins, natural de Vigia, ilustre prócer republicano, professor do Instituto de Educação e autor de dois livros bastante conhecidos na sua época, de português e matemática escolar. Enéas depois se transferiria para Belém, para fazer o curso secundário, de lá saindo para concluir os estudos em Direito na tradicional Faculdade do Recife onde formou-se na turma de 1891, junto com Porfírio de Menezes Nogueira,( 1 ) que advogou no Amazonas e foi Secretário Geral do Estado na administração de Silvério José Nery, além de principal encarregado das relações do Amazonas com o Conselheiro Ruy Barbosa na celebérrima questão do Acre. Com eles, vivendo os sonhos acadêmicos estava também Simplício de Mello Rezende, piauiense que faria carreira jurídica no Amazonas.( 2 )
Regressou a Belém para advogar e ingressou na política local sendo eleito deputado federal para o período de 1894 a 1897, pelo Partido Republicano que tinha como órgão de imprensa o jornal A Província do Pará, de Joaquim Assis e Antônio Lemos. O partido era então chefiado por Lauro Sodré que também assinava artigos no jornal sob o pseudônimo de “Diderot”. Foram seu companheiros de bancada na Câmara Federal, José Teixeira da Mata Bacellar, Justo Leite Chermont, Totônio Raimundo Brito, Carlos Augusto Valente de Moraes, Jaime Pombo Brício Filho, Augusto Montenegro e Diogo Holanda de Lima.
Jornalista combativo, fundou em Belém o jornal Folha do Norte, em 1895, cujo primeiro número é de 1º de janeiro de 1896, impresso nas oficinas da avenida da Independência, depois av. Portugal, assumindo posição de rara expressão política que ele mantinha na Câmara dos Deputados de 1894 até 31 de dezembro de 1899. Com ele, nesta empreitada estavam Eládio Lima, Barbosa Rodrigues, Alfredo de Souza, Cipriano José dos Santos, Firmo Braga, João de Deus Menna Barreto, Eustáquio de Azevedo, Ildefonso Tavares e logo depois, João Paulo de Albuquerque Maranhão.
Durante muito tempo foi órgão de convivência cordial com a Província do Pará, até que o rompimento dos partidos Republicano e Republicano Federal também promoveu a cisão dos dois órgãos de imprensa. Em 1898 Francisco Glicério cindiu o Partido Republicano criando o Partido Republicano Federal.
Na condição de Deputado representou o povo paraense no sepultamento do maestro e compositor Carlos Gomes, em Campinas, Estado de São Paulo, entregando a bandeira do Pará à Câmara Municipal daquela cidade em outubro de 1896, do que fez registro especial o jornal O Diário de Campinas
“…. Na porta de saída do vestíbulo da Estação, o dr Enéas Martins, deputado e jornalista, representante do Pará, em palavras ungidas do maior sentimento fez a entrega da bandeira (….). Suas palavras foram ouvidas debaixo do maior silêncio e calaram fundo no recesso de nossas almas, quando ele disse que guardássemos o pavilhão paraense como um vínculo de amizade entre os dois Estados….”
Ainda em convivência com o grupo político dominante no Pará foi reeleito deputado federal para o período de 1898 a 1901, mas quando a sucessão do governador Paes de Carvalho foi deflagrada em 1899/1900, o desentendimento político se avolumou entre lideranças como Justo Chermont, Montenegro e Lauro Sodré, Paes de Carvalho e Antônio Lemos.
Na legislatura federal de 1898 a1901 a bancada paraense estava composta pelos deputados Arthur de Souza Lemos, Augusto Montenegro, Pedro Leite Chermont, Carlos Augusto valente de Moraes, Arthur Indio do Brasil, Antônio Filinto de Souza Bastos e Enéas Martins.
Findo o seu mandato, sem espaço político em Belém, posto que levado para a oposição, Enéas passou a direção do jornal para Cipriano Santos e transferiu-se para Manaus., onde também ingressou na política, sendo eleito deputado federal pelo Amazonas para o período de 3 de junho de 1903 a 31 de dezembro de 1905. De ambos os períodos legislativos não há, na Câmara Federal, registro de sua agremiação partidária.
Naquele período, em que eram diversos os empréstimos contraídos pelo governo do Amazonas para manter o elevado custo da administração e realizar obras, muitas das quais em andamento unicamente louvado nas grandes receitas da borracha, Enéas foi o intermediário em um dos contratos de empréstimo internacional, indo diretamente a Europa para efetivá-lo.
Foi exatamente no período em que representou o Amazonas que eclodiu a fase mais definitiva da aprovação do tratado de Petrópolis, na gestão do Ministro e barão do Rio Branco.
Assomando a tribuna, munido de informações especiais sobre a questão do Acre e a solução adotada pelo Brasil, consumiu todo o tempo dedicado aos debates e mais duas horas conseguidas pela interferência dos lideres partidários. Enéas sustentou a importância do fato, refutou os argumentos econômicos destruídos antes por Felisbelo Freyre, analisou os antecedentes democráticos, questionou a existência do Bolivian Sindicate, analisou os reflexos do tratado sob a ótica comercial e econômica, apreciou os interesses peruanos com profundidade e deixou a tribuna com pleno reconhecimento de sua contribuição à causa defendida pelo governo e ardorosamente assegurada pelo gênio de Rio Branco.
Foi, como afirmou Rodrigo Mello Franco de Andrade, em estudo sobre a vida e a obra de Gastão da Cunha, uma interferência que “constituiu um triunfo no debate parlamentar….” e, sem duvida, como se pode ver ao conhecer o inteiro teor do discurso,
“uma peroração de Enéas Martins foi um elogio vibrante da obra do Ministro das Relações Exteriores….”
A imprensa não silenciou ante o fato. O jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, sempre em defesa da causa abraçada por Rio Branco, portanto, de cunho oficial, registrou :
“….. comentários feitos em seguida apontavam, o discurso do sr. Enéas Martins como o melhor dos pronunciamentos em defesa do tratado de Petrópolis….”
De igual modo o Jornal do Comércio, também da capital federal, registrava o brilhante discurso por ele pronunciado, como sendo um dos responsáveis pelo resultado da votação que aprovou o tratado por 118 votos contra apenas 13. De outro lado, o jornal A Nação, em tons de independência do governo e contra a atuação de Rio Branco, rejeitava amplamente aquele discurso.
Em diversas ocasiões Enéas interviu no assunto. Ora em aparte a Gastão da Cunha, para se posicionar contra a instituição do Bolivian Sindicate, ou com argumentações que visavam convencer, – como convenceram – , a Barbosa Lima, grande tribuno de seu tempo, de que era importante conseguir por via do tratado, a consolidação das terras brasileiras nos confins da Amazônia.
Concluído o mandato abandonou a política partidária, passou a propriedade do jornal paraense a Cipriano dos Santos e ingressou no Itamarati com a confiança do Chanceler, o barão do Rio Branco, onde permaneceu durante nove anos no cumprimento de diversas missões, inclusive no exercício do cargo de subsecretário de Relações Exteriores,
“que lhe proporcionava vida serena, de bem-estar e rendosa representação, como de seu feitio…..”
Na Câmara estava o amazônida. O advogado. O jornalista. O intelectual. Não concluiu o seu terceiro mandato eletivo porque, depois de empenhar-se na defesa do tratado de Petrópolis, firmado para resolver a questão do Acre, mas precisamente as relações entre o Brasil e a Bolívia, foi escolhido pelo barão do Rio Branco para ministro comissionado em Bogotá, encarregado de resolver a questão de limites com a Colômbia.
Depois da missão colombiana foi Ministro Plenipotenciário no Peru, subsecretário do Ministério das Relações Exteriores e em 1913 Governador do Estado do Pará, para depois retornar ao Ministério.
O sucesso da missão que executou em contato direto por mais de um ano com o barão do Rio Branco, redundando no tratado de 24 de abril de 1907 firmado com o general Alfredo Vasquez Cobro, Ministro das Relações Exteriores da Colômbia e remetido para conhecimento e aprovação da Câmara dos Deputados em 16 de outubro daquele ano, no entendimento de Dunschee Abranches,
“….. Não se deve menos ao tato, ponderação e alto descortínio intelectual do nosso plenipotenciário, do que a elevada e patriótica orientação do eminente e enérgico estadista, a quem estão entregues os destinos da vizinha República….”
Chegara no começo do ano de 1905 para cumprir a missão diplomática, tendo se afastado, por isso mesmo, faltando um ano de mandato de deputado federal a cumprir, com a orientação que era a tônica de então: definir o território brasileiro e robustecer a política americanista de Rio Branco. Sucedia, nos mesmos assuntos, a Joaquim Maia Nascentes de Azambuja, que pouco conseguira no período de 1867 a 1870 e a Miguel Maia Lisboa, em 1853.
O tratado de abril de 1907 fixou os limites e o “modus vivendi ”sobre o rio Iça ou Putamayo, com protocolos complementares. O Brasil ganhou a larga região que a Bolívia considerava litigiosa e consolidou a política de Rio Branco. Foi trabalho que,
“….além de prudente, representa uma transação honrosa, com razoáveis transações recíprocas, aconselhadas por sentimentos e convivências de leal harmonia e concórdia…..”,
como disse Rio Branco na Exposição de Motivos com que apresentou o tratado à apreciação política da Câmara Federal, conforme encontra-se citado por Álvaro Lins.
O Pará estava conflagrado em lutas de grupos políticos sem conseguir chegar a solução adequada de uma candidatura ao governo do Estado. João Coelho, eleito governador por Antônio Lemos, unira-se a Lauro Sodré mas não tinha apoio da liderança federal de Pinheiro Machado que, prestigiado pelo presidente Hermes da Fonseca, impunha certa ordem nos quadros políticos nortistas.
Afastado do Pará por 12 anos, quatro dos quais a serviço do Amazonas como deputado federal e quase nove como membro do Itamarati, Enéas teve seu nome aceito de forma consensual pelos partidos Republicano, Republicano Federal e Conservador, para a sucessão governamental de 1913, no seu estado natal. Tendo aceito a indicação, foi eleito pelo voto popular e chegou a Belém em 1º de fevereiro de 1913 com espetacular recepção de todas as camadas sociais e políticas, civis e militares. Hábil, promoveu desembarque isolado e, em farda de Embaixador, ( ino-mine da Colômbia ), foi empossado no cargo de governador no dia 2.
Seu governo foi meticuloso, sistemático, rigoroso na prestação de contas, mas enfrentou inúmeras dificuldade herdadas, e outras tantas de sua própria administração.
Enfrentou grave crise financeira e de organização da estrutura administrativa do Estado, o atraso do pagamento do funcionalismo e fornecedores, as negociatas no tesouro, dificuldades que o levaram a contrair empréstimo externos de 300.000 libras esterlinas para pagamento de despesas de exercícios e governos anteriores, ao lado de providencias de revisão da estrutura de fiscalização e arrecadação de impostos, considerada obsoleta.
Ainda assim anunciou a recuperação do sistema de segurança, educação e justiça. Enfrentou a grave questão de limites com o Amazonas e Mato Grosso. Em todas as suas Mensagens ao Poder Legislativo podemos encontrar grande preocupação com as questões de limites e com a situação econômica , financeira e orçamentária do Estado, às quais dedicou quadros comparativos, estatísticas e detalhamento minudente.
Seu governo enfrentou crises políticas internas e compromissos financeiros de três empréstimos externos anteriores com juros e prazos de amortização de grave pressão. Afirma o escritor Ricardo Borges em seu livro Vultos Notáveis do Pará que,
“… Não foi o seu quatriênio de vinditas pessoais, violência e sangue , tributou homenagens de devido pesar a paraenses ilustres que morreram; recepcionou visitantes importantes, nacionais e estrangeiros. Fez o que foi possível, condizente com a situação e mandato…
Esta afirmativa contraria toda a evolução circunstancial da historia política daquela época.
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