Para quem procura estudar a história do Amazonas deslocando seu foco de interesse da historiografia até agora produzida, a passagem do escritor e poeta Antonio Gonçalves Dias em Manaus, nos idos de 1861, não constitui inteira novidade. Mesmo assim desconheço a publicação de qualquer detalhamento maior da importante participação do notável poeta, na revisão dos critérios e métodos de educação provincial no Amazonas e sua contribuição em outras áreas, como na questão indígena e na promoção dos produtos regionais na Exposição Nacional.
O presidente da província Manoel Clementino Carneiro da Cunha ao apreciar as questões relativas a educação na província amazonense, reconhecia em 1861 que eram graves as dificuldades do setor, especialmente porque as escolas não possuíam inspeção regular, matéria de que não cuidara a lei nº 103, de 9 de julho de 1859, uma das muitas que reformulou o ensino provincial, e que estabeleceu a nomeação de visitadores escolares, apenas quando se tornasse necessário, sem criar as inspetorias permanentes que fizessem também a orientação e assistência ao ensino, reportando-se a diretoria da Instrução Pública.
Confirmando esta assertiva o presidente designou o poeta Antonio Gonçalves Dias por portaria de 28 de fevereiro de 1861, para visitador das escolas do rio Solimões, devendo apresentar relatório de todas as suas observações e sugerir medidas julgadas necessárias visando o melhor aproveitamento escolar.
Gonçalves Dias partiu de Manaus no dia 1º de julho de 1861, pelas 5 horas, para Serpa, Silves, Canumam e Rio Madeira, acompanhado de Silva Coutinho, Antônio David de Vasconcellos Canavarro, e do chefe de Polícia, no vapor de guerra Pirajá, que tinha como comandante Francisco da Silva Gomes. O poeta maranhense, designado oficialmente pela presidência da província ia inspecionar as escolas e diretorias dos índios, ao longo dos rios interioranos; Silva Coutinho, cumpriria outra missão, a de procurar pontos para assentar colonos; enquanto David Canavarro cuidaria de examinar o estado sanitário da província.
Em outra viagem que o poeta pode realizar ao interior do Amazonas seguiu para o rio Negro no vapor Pirajá que saiu de Manaus em 10, tendo chegado de Belém. O comandante era o 1º Tenente R.L.Tavares. Dias ia investigar a catequese dos índios e o estado das escolas, acompanhado de Joaquim Leovegildo Coelho que como tenente engenheiro foi visitar os fortes de São Gabriel e Cucuy. Naquele tempo o navio só conseguia seguir viagem até o município de Santa Isabel exigindo-se que, a partir daquele ponto os pesquisadores seguissem em barcos menores, em razão das cachoeiras. Leovegildo teve um adiantamento de 600$000 rs, para a viagem, dos cofres provinciais.
As ordens do presidente da província estão no jornal Estrela do Amazonas de 7 de setembro de 1861 ( COPIAR)
Para facilitar o trabalho do seu emissário especial o presidente da Província oficiou a Câmara de Barcelos para que facilitasse o trabalho de Gonçalves Dias por “todos os meios ao seu alcance para que ele possa examinar, se nesse lugar existem alguns documentos, e papeis úteis, e de interesse para a história desta província, devendo para isso mostrar-lhe o arquivo dessa Câmara, e dar-lhe quaisquer informações que solicitar”, na forma exata dos termos da comunicação oficial, agora conhecida.
Depois de intensa viagem,Gonçalves Dias chegou de volta a Manaus às 10 horas do dia 8 de outubro de 1861, vindo do alto rio Negro, depois de 53 dias encravado nas matas e nas águas do grande rio. Já não era o primeiro serviço que ele prestava a província, examinando as condições das escolas do interior e o aldeamento dos índios. Por problemas de saúde, padecia nas viagens, mas merecia, da imprensa da época, registros satisfatórios, como explicava o jornal Estrela do Amazonas, de circulação em Manaus em 9 de outubro de 1861,
sujeito às privações que são peculiares aos nossos sertões, o ilustre poeta, modesto como é, tem posto o governo em estado de poder tomar as medidas necessárias a bem da instrução e da catequese, o que nunca foi possível se conseguir na província”.
No retorno, viera sem as companhias de Leovegildo de Souza Coelho e de David Canavarro, que anteciparam seus retornos a sede da capital.
Conforme acertado, Dias apresentou detalhado relatório datado de 26 de março de 1861, narrando as visitas que fizera às escolas de Coari, Tefé, Fonte Boa, São Paulo de Olivença e Tabatinga, e contendo três capítulos especiais: Observações Gerais, Matrícula, freqüência das escolas, e um terceiro referente a Utensílios das Escolas, traslados e compêndios, nos quais pode narrar suas observações acerca do modo de viver das populações do interior.
Em seu relatório registra, dentre outros aspectos relevantes da vida do homem do interior,
Os centros de população são raros e as casas ou antes as palhoças consideravelmente distantes uma das outras: derramam-se por essas ilhas, paranás ou igarapés, cheias de meninos, mas longe de povoado, não são habitações duradouras, são ranchos para alguns dias. O seu viver é a caça, a pesca, a procura de salsa e da castanha, o fabrico da manteiga – o principio do primi capientis, é o que entendem por direito de propriedade; no mais estimam-na em tão pouco tempo, que do mesmo modo que pode quebrar um pote com manteiga, lançam fogo à palhoça qualquer ligeira circunstância. Que lhe morra uma tartaruga, ou que se lhe incendeie a casa são cousas que bem pouco os afetam. A canoa sim, esta é a sua verdadeira propriedade;móvel, com elas, o índio continua o seu viver instável, errante, imprevidente; acomoda-se dentro dela com a mulher e filhos, vão as praias e assim vivem muitos meses ao ano, dando aos filhos a educação que tiveram, e não compreendendo que careçam de mais nada. Para dizer a um deste que mande os filhos à escola, que os não tire dali antes de aptos, é ordenar-lhe que mude, radicalmente sua norma de vida.
Fez a inspeção também nas escolas do rio Negro, Amazonas e Madeira, e não aceitou a gratificação arbitrada pelo governo provincial.
De sua vida redundou nova reforma do ensino, através da lei 123, de 21 de julho de 1862
Dias seguiu viagem no vapor Manaus, em outubro de 1861 com destino ao Rio de Janeiro, merecendo um registro de despedidas da imprensa local que é também uma pista do interesse existente à época: o da divulgação do que era a Província, e do seu potencial.
Pela sua ilustração e amenidade captou as feições de todos com quem entreteve relações. Por amor da ciência e do país, o primeiro poeta brasileiro percorreu quase todo a província; foi a Tabatinga, ao Madeira e ao Cucuy, visitando também grande parte do Solimões pertencente ao Peru, e acha-se assim habilitado para dizer verdadeiramente o que é o Amazonas
Havia uma expectativa de que publicasse um livro. Como atenção especial foi acompanhado na partida, no vapor Pirajá, até a foz do Solimões, por vários amigos que se reuniram na sua própria casa em Manaus, antes do embarque.
De outro lado, conforme era praxe naqueles anos, impedido de se despedir de todos os amigos, e cumprindo papel social, o escritor mandou publicar nota na imprensa, informando de sua viagem de retorno ao sul do país,
Antonio Gonçalves Dias, retirando-se para fora desta província e não podendo despedir-se pessoalmente de seus amigos e das pessoas que se tem dignado freqüentá-lo, aproveita-se deste meio para lhes pedir as suas ordens. Manaus, 25 de outubro de 1861.
Embarcou a 27 com a presença de muitas pessoas e do presidente da Província, que foi ate a foz do Rio Negro, a bordo de um vapor, e ali fez ele as últimas homenagens e despedidas, quando o escritor fez transbordo para seguir no vapor Manaus.
Em pagamento aos trabalhos realizados pelo poeta nas visitas que fez ao rio Negro, na ocasião, o presidente da Província através de Portaria de novembro daquele ano de 1861, arbitrou nos termos do art. 9º, da lei nº 1103, de 9 de julho de 1858, uma ajuda de custo igual a que tinham direito os membros da Assembléia Provincial e que residiam fora da capital.
O jornal Estrela do Amazonas de 13 de agosto de 1862 noticiou a morte de Gonçalves Dias. A fala notícia de morte só foi revisada tempos depois, mas enquanto vigeu como verdade entre os amazonenses, afastados do noticiário moderno dos dias de hoje, deixou a todos profundamente consternados. Os registros da imprensa dão o tom da perda, especialmente em trecho do artigo publicado por Silva Coutinho,
“Nós todos aqui o vimos ainda há pouco tempo tão prazenteiro e jovial, cativando com seu trato e procurando inteirar-se das riquezas desta terra; todos gozaram da bondade de sua alma e dos influxos da brilhante inteligência. ……. Nos últimos momentos de sua vida não teve o peito de um amigo para repousar a fronte abatida, nem lhe assistiram os doces socorros da religião…. morreu só.
A noticia era de que morrera em viagem de navio para Europa, conforme registro de um jornal da cidade do Recife que chegou a Manaus.
Foi celebrada missa em Manaus, para a qual a população foi convidada pela seguinte nota: Alguns amigos do finado dr Antonio Gonçalves Dias, mandam celebrar um ofício por sua alma na Igreja dos Remédios no sábado, dia 23 do corrente, às 7 horas da manhã, e para esse ato convidam os habitantes desta cidade.
Na verdade ele não morreu e o jornal Estrela do Amazonas de 23 de agosto noticiou a correção do fato, em razão de uma carta que o poeta escrevera de Paris. A síntese foi “saudamos o país, pelo feliz engano”.
Foi esta a nota oficial que esclareceu o assunto,
Boa Noticia – Com o maior prazer comunicamos ao público que é falsa a noticia da morte do nosso ilustrado amigo, dr Antonio Gonçalves Dias, que deram os jornais de Pernambuco aqui chegados pelo Belém. Pessoa autorizada escrevera de Paris (no paquete passado) dizendo que havia morrido a bordo do Grand Conde o passageiro que em Pernambuco embarcara doente. Era o nosso amigo o único passageiro, e assim o Jornal de Recife na boa fé deu a infausta notícia.
Por este paquete o dr Gonçalves Dias escreveu a carta seguinte ao redator do mesmo jornal,
Graças ….. estou na Europa, não bom de todo, mas muito melhor. Devo partir quanto antes para as águas do Vechi, para onde me mandam os médicos. Já vê que cheguei muito melhor; mas o ventre (e cousa notável) a cabeça ainda estão um pouco inchados. Estou magro como um espectro, sem forças, mas sinto-me melhor e posso andar. Antes de partir, porém, preciso esperar cartas, porque penso que todos já me não contam no rol dos vivos. Graças as suas recomendações, devo muitas atenções ao capitão do Grand Conde. Mas 2 meses de viagem e 13 dias a 14 dias a passar a linha!…. quase que fico no mar; mas dois ou três dias de calma nas costas do Brasil…. e era uma vez um poeta.
A notícia precisa da morte efetiva do poeta também tardou a chegar a Manaus. É que as comunicações para a região da Amazônia brasileira, durante muitos anos, foram escassas e difíceis. Assim, as notícias chegavam com a entrada dos navios no porto da barra do Rio Negro, através da tripulação e dos jornais do sul do país que eram distribuídos para as redações dos principais jornais editados em Manaus. A mala informativa, como se poderia dizer, que servia para atualizar a população local com matérias, que, em verdade, já nem mais eram tão atuais assim.
Uma destas informações retransmitidas dias depois pela imprensa as amazonense foi a que chegou pela mala entrada na capital amazonense com o vapor Tapajós que chegou ao porto de Manaus na madrugada do dia 22 de novembro de 1864, além da notícia do casamento da princesa Isabel com o Conde d’Eu, tomou-se conhecimento da morte do poeta Antônio Gonçalves Dias, que há poucos anos andara pelo interior, em inspeção nas escolas mantidas pela província, e em pesquisa documental sobre a região. A notícia foi registrada da seguinte forma, no jornal O Catechista, de 26 de novembro de 1864,
Faleceu a bordo da barca francesa Villa de Bologne, que naufragou perto de Itacolomy, em demanda do porto da capital do Maranhão o distinto poeta brasileiro A G Dias. É uma perda irreparável para o Brasil.
Para atestar aos vindouros o seu gênio poético e não vulgar ilustração, ficam suas obras que ai correm o mundo como um padrão de glórias das letras brasileiras.