A evolução constitucional brasileira pode ser entendida a partir da chegada de D. João VI, em 1808, com o aparecimento da imprensa, dos partidos políticos e das primeiras legislações produzidas no Brasil ainda que sob a inspiração lusitana, mais a partir de opiniões de brasileiros e para fins de produzir efeitos na metrópole na qual se instalara o soberano. Sucedeu uma rápida transformação na sociedade brasileira a partir de então e a criação do Gabinete Ministerial pelo Decreto de 10 de março de 1808 e do Conselho de Estado, pelo Álvará de 1º de abril, passa a marcar o momento histórico dos órgãos pré-constitucionais.
Seguem-se a estes atos, dentre outros de relevância, o da emancipação econômica (Carta Régia de 28 de janeiro de 1808) inaugurando um regime econômico-liberal e principalmente a elevação do Brasil à Categoria de Reino , unido ao de Portugal e dos Algarves, pela Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815.
São desta fase os movimentos constitucionalistas do Pará, da Bahia e do Rio de Janeiro, como que a indicar plenamente, o espírito liberal que começava a dominar o País, e a tentativa de efetivá-lo em ato concreto, sucedeu com a Revolução do Porto em 1820 que em muito acelerou a marcha dos acontecimentos no Brasil.
A história da Constituição Imperial de 1824, começa neste instante. D. João VI promulga no Brasil o Decreto de 18 de fevereiro de 1821, prometendo dar a nosso País, uma Constituição, determinando que o Príncipe D. Pedro, fosse a Portugal e recolhesse o projeto de Constituição que ora se debatia no Reino e que aqui deveria ser encaminhado e aprovado se estivesse conforme, ao mesmo tempo em que convocava um Junta de Corte a se reunir no Rio de Janeiro, com os Procuradores das Câmaras das cidades brasileiras que deveriam estudar e adaptar o projeto, se fosse o caso.
Apressou-se, seis dias depois a este ato, em aprovar a Constituição ainda em elaboração em Portugal e de cujo conteúdo não tinha conhecimento.
Depois disso prosseguiu promulgando outros Decretos e Leis que refletem o mesmo anseio de constitucionalizar o país, até que, por Decreto de 21 de abril de 1821, bem próximo portanto de sua partida para Portugal, mandou adotar no Brasil a Constituição Espanhola de 1812, de caráter amplamente liberal, inspirada na doutrina clássica de Montesquieu quanto a separação dos poderes e refletia a Revolução Francesa.
A duração desta Constituição foi efetivamente efêmera, senão nenhuma, porque a adoção foi revogada por Decreto do dia seguinte.
Coube a D. Pedro, na condição de Regente, convocar por Decreto de 3 de junho de 1822 uma Assembléia Nacional Constituinte, a primeira de tantas que teríamos ao longo dos anos, e que deveria elaborar o projeto de Constituição do país, e para a qual as instruções eleitorais foram baixadas por José Bonifácio em 19 do mesmo mês.
O processo eleitoral adotado foi “indireto”, com a designação pelo povo das freguesias dos eleitores das Paróquias que elegiam os Deputados em número proporcional à população de cada Província. Votavam os analfabetos ou não. As apurações eram
feitas nas capitais das Províncias, sendo ali mesmo proclamados os eleitos, e a seguir diplomados.
Os acontecimentos que culminaram com a proclamação da Independência do Brasil impediram a efetivação desta convocação, que, mantida por D. Pedro, pelo Decreto de 14 de abril de 1823, instalou-se a 3 de maio do mesmo ano.
Na Fala do Trono com que instalou a Assembléia Constituinte de 1823, D. Pedro proclamou as linhas mestras que deveriam ser observadas na organização da Carta:
” 1 – Fazer uma Constituição justa, sábia, adequada e acessível ditada pela razão;
2 – A constituição deveria adotar os três poderes bem divididos, de forma que não pudessem arrogar direitos que lhes não competissem, mas que fossem, de tal modo organizados e harmônicos que se tornasse impossível, ainda pelo decurso do tempo, fazerem-se inimigos;
3 – A constituição deveria ser tal que pusesse barreiras inacessíveis ao despotismo real, quer aristocrático, quer democrático;
4 – A constituição deveria plantar a árvore daquela liberdade à cuja sombra devesse crescer a união, tranqüilidade e independência do Império;
5 – A constituição não devia ser à maneira das constituições teóricas e metafísicas de 1791 e 1792, e por isso mesmo inacessíveis, como se verificou em França, Portugal e Espanha.”
Em sessão de 8 de maio seguinte, a Assembléia escolheria uma Comissão de sete membros para elaborar o projeto da futura Constituição, integrada pelos Deputados Antônio Carlos que a presidia, José Bonifácio, Antônio Luiz Pereira da Cunha, Manuel da Câmara Bittenchourt e Sá, Pedro de Araújo Lima, José Ricardo da Costa Aguiar de Andrade, e o Monsenhor Francisco Muniz Tavares.
A Comissão bem refletia a jurisdicidade da Assembléia, representativa e heterogênea, fundada na cultura de Coimbra. Chegou a ter 48 juristas, 19 eclesiásticos, sete militares, alguns empregados e pequenos proprietários, somando pouco mais de 80 membros.
A 1º de setembro de 1823 a Comissão daria por concluído seu projeto, levando-o à discussão da Assembléia, com 272 artigos perfeitamente gerados pela influência do projeto oferecido às Cortes em Lisboa e pelas idéias que se propagavam depois da Restauração Francesa. Atribui-se a autoria do projeto, basicamente, a Antônio Carlos, ainda que uns poucos historiadores insistam em afirmar ter sido o seu irmão, Martim Francisco.
Durante a elaboração do Projeto a Assembléia ateve-se ao debate de Leis Constitucionais urgentes, finalmente promulgadas, em número de 6, no dia 21 de outubro. É interessante observar que estas leis que, embora as leis não se enquadrassem nos poderes constituintes atribuídos à Assembléia, as matérias que versaram merecem atenção. Cassava ao Imperial ou o direito de veto e dispensava de sua promulgação as Leis e Decretos da Assembléia Constituinte; revogava o ato que criou o Conselho de Procuradores das Províncias; proibia aos deputados a acumulação, durante o mandato, de qualquer emprego ou de pedir graça ou emprego para outrem; revogava o Alvará sobre Sociedades Secretas no país; reafirmava que estavam em vigor toda a legislação pela qual nos guiávamos, até o dia 25 de abril de 1821; dava forma aos governos das Províncias, dando-lhes Presidente e Conselho.
O projeto levado à discussão era liberal, e consagrava os princípios das liberdades e garantias constitucionais. O Estado era Unitário e a forma de governo era a monarquia constitucional hereditária, sendo o Legislativo exercido por uma Assembléia Geral e pelo Imperador, sendo a Assembléia composta de sala dos deputados de caráter eletivo e temporário e sala dos Senadores, por membros vitalícios. O Poder Executivo seria exercido pelo Imperador, com o auxílio do Conselho Privado e do Ministério, sendo o Poder Judiciário composto de juizes togados e de jurados.
A preocupação na forma, constante em todas as reuniões, levou a que, quando da dissolução da Assembléia, por ato do Imperador de 12 de novembro de 1823, fez com que, até então, apenas 24 artigos tivessem sido acordados e devidamente apreciados pelo colegiado.
Os rumos que a Carta ameaçava impor ao país, não pela conformação liberal de que se revestia o Projeto, mais pelos princípios de fundo nativista em contraste com a ação do Poder Executivo, devem ter gerado, ao lado de outras questões, o golpe que dissolveu a Assembléia e exilou alguns dos seus membros.
Na Proclamação que fez aos brasileiros em 13 de novembro daquele ano, afirmou o Imperador:
“Os desatinados de homens alucinados pela soberba, e ambição nos iam precipitando no mais horroso abismo. É mister, já que estamos salvos, sermos vigilantes, qual Argos. As bases que devemos seguir, e sustentar para nossa felicidade são – Independência do Império, integrada do mesmo, e sistema constitucional – sustentando-nos, estas três bases sem rivalidades, sempre odiosas, sejam porque lado encaradas, e que são as alavancas (como acabastes de ver) que poderiam abalar este colossal Império, nada mais temos que temer.
[…]
Se a Assembléia não fosse dissolvida, seria destruída a nossa santa religião, e nossas vestes seriam tintas em sangue.
Está convocada nova Assembléia.”
Como que a acalmar os ânimos, o Imperador convocava nova Assembléia e prometia uma Constituição de sua autoria, explicando também as razões das prisões, quando afirma:
“Está convocada nova Assembléia. Quanto antes ela se unirá para trabalhar sobre um projeto de Constituição, que em breve vos apresentarei.[…] As prisões agora feitas serão pelos inimigos do Império consideradas despóticas. Não são. Vos vedes, que são medidas de polícia, próprias para evitar a anarquia, e poupar as vidas destes desgraçados, para que possam gozar ainda tranqüilamente delas, e nós do sossego. Suas famílias serão protegidas pelo Governo.”
Mas foi no Manifesto de 16 de novembro que o Imperador esclareceu melhor as razões políticas que o levaram a dissolver a Assembléia, calcados nas ameaças ao Executivo, no desrespeito à sua própria pessoa de Defensor Perpétuo do Brasil, desconsiderado em uma das reuniões, no surgimento de partidos políticos que propunham a discórdia entre Brasileiros e Portugueses e até em propostas de afastamento das forças militares do Rio.
Antes da instalação da nova Assembléia, e na forma da Proclamação feita ao povo, D. Pedro compôs uma Comissão com 10 Conselheiros, entre eles 6 Ministros, com os encargos de elaboração da Constituição a ser examinada pela Assembléia seguinte.
A elaboração deste estudo é atribuída, pela maioria dos historiadores, a Francisco Carneiro de Campos, embora outros indiquem José Joaquim Carneiro de Campos. O certo é que, rapidamente tínhamos um projeto de Constituição que em 13 de dezembro D. Pedro mandou distribuir às Câmaras Provinciais e pretendia submetê-lo à Assembléia Constituinte, o que não aconteceu ao que a 25 de março de 1824, assinada pelo Imperador, o projeto foi outorgado como Constituição do Império do Brasil, confirmando a sua intenção manifestada na Proclamação de 13 de novembro de 1823, quando afirmou:
“Se possível fosse, eu estimaria, que ele se conformasse tanto com as vossas opiniões, que nos pudesse reger (ainda que provisoriamente) como Constituição.”
Verdade é que a Constituição outorgada pelo Imperador reafirmava pontos lançados no projeto que a Constituinte mantinha em discussão ao ser dissolvida, ampliando alguns aspectos, mas mantendo o espírito liberal, ainda que reforçando os poderes do Imperador. Reajustada à realidade nacional pela Lei 105, de 12 de maio de 1840, vigorou até a queda da Monarquia em 1889.
Há quem afirme, como atendemos, que a Constituinte de 1821,a Comissão de Conselheiros do Imperador, foi um embuste, com mandato gerado em fontes suspeitas, sem autoridade sobre o país, conforme entende Oliveira Viana também a respeito da própria Assembléia Constituinte de 1823.
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