Julho de 1889
No primeiro dia daquele mês tomara posse em Manaus como presidente da Província do Amazonas o dr. Manoel Francisco Machado, trigésimo e último presidente, para gerir uma administração que se anunciava promissora em uma capital meio imponente meio pobretona.
Se as transformações urbanas dos primeiros tempos de florescimento da borracha começaram a dar um outro ar a Manaus por volta de 1880, mesmo assim a capital que recebeu o Príncipe, às vésperas da proclamação republicana, ainda deixava muito a desejar em condições urbanas, vida social e higiene pública. A cidade à moda européia depois decantada em prosa e verso só surgiria com a República, e mais precisamente com o governador Eduardo Gonçalves Ribeiro (1892-96), mas a mão de obra nordestina advinda com a seca de 1877 já dera uma enorme contribuição na vida econômica e os cofres provinciais permitiam mudanças expressivas para época, notadamente como as sucedidas nas administrações de José Paranaguá e de Theodureto Carlos de Faria Souto, com a abolição da escravatura negra, cinco anos antes.
Quando da visita do príncipe, toda a província possuía por volta de 148 mil habitantes, dos quais cerca de 38 mil residentes na cidade de Manaus.
Cumprindo viagem que encetara para conhecer as terras brasileiras do norte e possivelmente estimular a população e lideranças para a possível fundação de um terceiro Império, sob o comando da Princesa Isabel, sua mulher, o Conde d’Eu chegou a Manaus em 3 de julho de 1889, viajando no vapor Alagoas, que aportou anunciado pelo tiros partidos da canhoneira Manaus que fora receber o navio na entrada da barra. Todas as autoridades e pessoas gradas estavam a postos: o presidente Manoel Francisco Machado – o barão do Solimões -, o comandante de armas, os representantes do poder legislativo provincial, da câmara da capital, os corpos diplomáticos acreditados no país e representados no Amazonas e pessoas várias que embarcaram nos navios João Alfredo e Perseverança, de propriedade da Companhia do Amazonas, postos no cais para irem receber, no meio do rio Negro, o paquete que trazia uma das figuras do Império brasileiro.
Em terra formou-se um cortejo especial para recebe-lo. As autoridades mais representativas da época e que por certo foram receber o Conde, eram: tenente-coronel Inocêncio Galvão de Queiroz, comandante das Armas da Província; capitão-de-mar-e-guerra Salustiano Caetano dos Santos, comandante da Flotilha de Guerra, Lourenço da Rocha Pompeu, administrador dos Correios, Sebastião J. de Magalhães Braga, Chefe de Polícia, logo depois substituído por José Elysio de Carvalho Couto; Lauro Baptista Bittencourt, diretor das Obras Públicas; Saturnino de Loureiro Marães, inspetor da Tesouraria da Fazenda; Olimpio Giffenig Niemeyer, Secretário do Governo e José Tavares da Cunha Melo, diretor da Instrução Pública.
Depois ele seguiu do porto para a igreja Matriz, visitou a Câmara Municipal, conheceu várias repartições, quartéis, escolas e assistiu a um espetáculo especial no Éden-Teatro. Ficou hospedado no edifício do Liceu, atual Ginásio Amazonense Pedro II, na praça de Heliodoro Balbi, porque era o único edifício considerado em condições de receber o Príncipe Imperial.
O Liceu Provincial teve a sua obra autorizada por lei especial em 1880 e iniciada em maio do ano seguinte e nele trabalharam operários contratados por João Carlos Antony, José Cardoso Ramalho, Antonio Ruibal, dentre outros, sendo concluída em 5 de setembro de 1886 mas em 1893 ainda eram realizadas obras e serviços ditos como necessárias a sua conclusão. É prédio de dois andares, com estrutura de caixa grego-romana, exemplar típico de arquitetura neo-clássica.
Era, portanto, prédio novíssimo, imponente, de salões largos e arejados, capazes de receber com dignidade principesca o Conde d’Eu, naquele ano de 1889.
O Éden-Tehatro foi inaugurado em 3 de maio de 1888 com apresentações da Companhia Dramática e de Operetas de Eduardo Álvares, mediante contrato específico para este fim. Levaram A Virgem Aparecida e em seguida, a partir de 30 de agosto, apresentaram La Mascote, de Edmond Audran; Fantasma Branco, de Francisco Libanio Colas; Niniche, de Boullard. A empresa foi contratada por Benjamin Lucas para trabalhar em Manaus e a orquestra era dirigida por Roberto Barros. A aceitação dos espetáculos animou o governo provincial a custear outra temporada no ano seguinte. O Éden-Theatro tinha luz elétrica mas a qualidade do serviço era ainda precária. Os fundos do teatro davam para a rua Demétrio Ribeiro.
O espetáculo especial para o Príncipe foi a 4 de julho com apresentação de Adele Naghel com Uma Criada Impagável, e a revista de costumes No Reino da Lua, em 2 atos, que tratava de questões locais há pouco acontecidas. Não era nada de grandioso, mas as temporadas seguintes foram valorizadas por espetáculos de melhor quilate e composição.
Dias depois seguiu viagem para o rio Solimões, chegando até a fronteira com o Peru, a bordo do vapor Pumari, acompanhado de seu camareiro, o barão de Corumbá e dos deputados provinciais Silvério José Nery, Raimundo Rocha Filgueiras, Lourenço Ferreira do Couto e do cientista Barbosa Rodrigues, enviado para Manaus para instalar o Museu Botânico do Amazonas por iniciativa direta da princesa.
Retornando a Manaus não mais ficou hospedado no Liceu, passando a ocupar o Palácio do Governo e visitou outros colégios e repartições, sendo alvo de um banquete festivo. Regressou ao sul do País no vapor Pumari, a 14 de julho de 1889.
O movimento republicano estava efervescendo em Manaus, e foi nestes dias que se fundou, na praça de São Sebastião, o Club Republicano do Amazonas, quase às escondias pelo receio de que houvesse intervenção do governo contrária àquele ato que, inclusive, chegou a ser transferido de local, de uma para outra casa, na mesma praça, como medida de segurança contras as possíveis intervenções determinadas pelo Conde. A frente do movimento estava Domingos Theophilo de Carvalho Leal, ao lado de Eduardo ribeiro e Pedro de Alcântara Freire, todos maranhenses, sendo que o primeiro depois foi membro da junta governativa que implantou a República no Amazonas.
Naquele tempo já proliferavam, de há muito, os clubes republicanos pelo país. Em 1888 só em Minas Gerais tínhamos 56 clubes, 48 em São Paulo, 32 no Rio Grande do Sul, mas nas chamadas províncias do norte este movimento era bem menor, sendo 6 em Pernambuco, 5 no Pará, 3 na Bahia, 2 no Ceará, 1 em Alagoas.
Era uma viagem de cunho político da qual resultaram algumas anotações e relatórios administrativos a sinalizar preocupações com o funcionamento da administração provincial, a dívida pública, o estado dos prédios e serviços postos à disposição da população. Uma sinalização objetiva, pelo que vira e ouvira, da realidade local naquele ano.
Era a razão exteriorizada da visita.