Discurso de Paraninfo
Aqui não estou para semear. Nem vim para colher. Vim para a conversa última da hora da consagração. É o que esperam os paraninfados daquele que escolheram para conferir-lhes a toga.
O melhor conceito que o pregador leva ao público, bem sei, é o conceito que de sua vida tem os ouvintes. E se me convocastes para este momento impar de vossas vidas, julgai-me merecedor, e tendes de mim conceito probo. Por isso me confesso honrado com a escolha conferida, mas venho pregar com as vossas próprias obras, recolhendo do labor que viveram intensamente na fase acadêmica, os exemplos que podeis tirar para vida profissional.
E não vos pregarei jejum, nem repreenderei regalos e demasias nesta festa, porque com a palavra não se dá como sucede na música, onde tudo se faz por compasso, nem na arquitetura onde prevalecem regras, nem na aritmética onde tudo se faz por conta, ou na geometria onde a base é a medida. Na palavra o que prevalece é a força interior que ela traduz a essência do pensamento que, pra esta hora, há de ter conformações reluzentes, sabores multiplicados, aromas insensáveis e a eternidade que só se confere aos versos de amor.
As minhas palavras que não têm a força divina e padecem até por não possuírem a grandeza que às dos mestres é conferida, serão conformados ao meu sentimento e construídas pela razão que tenho dado a vida e aos valores do espírito. Para ouvi-las, abrandai os corações e atentai para o verbo sem a preocupação de aclamá-lo, mas permitindo que triunfe em vossas consciências. E, se envergo a gravidade deste ato soleníssimo que me conferistes a ventura de participar, não é dele que vos desejo falar, mas do futuro que se abre em fulgurações que não conheceis, mas que aspirais.
Em verdade vos digo, tendes fé, porque diante de vós abre-se a vida. A vida, que tem tempo para as flores e tempo para os frutos e até para o outono a vida confere tempo. As flores caem, secam, murcham, fogem com o vento ou se pregam aos troncos e se convertem em frutos e só essas são venturosas, só essas aproveitam e sustentam o mundo, ainda que as outras por alguns instantes também embelezem paisagens e apaixonem corações, perfumem salões e encantem saraus.
Assim se deu com a vossa geração. Assim se dá convosco. Quantos alimentam o sonho de vencer a universidade. Quantos quedaram ao longo da caminhada de preparação, perderam o ânimo, murcharam aos desencantos, não resistiram aos sopros das ventanias que sobre todos os homens abate.
Vós sois os frutos que sustentam o mundo, venturosos, e que venceram os ventos e não caíram, nem secaram, nem murcharam, nem fugiram diante dos vendavais. Tanto vigor não basta, para o que vos espera.
Podeis ter certeza de que não basta também que as obras sejam honestas e boas, mas é preciso que sejam bem feitas, e deveis compreender de logo que o mundo não vive mais na harmonia da primeira infância e que estão mudando as línguas, as leis, os hábitos, e os ânimos dos homens se mesclam entre a rudeza das guerras e o raro acalanto de crianças, e cresce a ambição, e vários impérios romanos ruíram e outros vão quedar, e os conflitos no mar dificilmente naufragarão e sobre as liberdades do homem tão cedo não se construirá uma catedral sem que os humildes devam reverencia aos poderosos e estes se tornem ainda mais fortes e seus senhores.
Mas, é neste mundo que deveis vencer, e ingressar agora, para o exercício da profissão que escolhestes, e deveis levar, deste ato, a certeza de que o louvor não vos deve desvanecer, nem a calúnia desanimar, porque nem sempre sereis virtuosos e não declinareis de todos os vícios nem enfrentareis com sucessos todas as borrascas.
Mesmo assim não deveis jamais pensar em silêncio ante o que a vida nos colocar em confronto, nem deveis julgar nem ferir, senão derramar bálsamo sobre as chagas que se abrirem no caminho, e, sobretudo não deveis deixar de lutar porque ainda que esta não seja gloriosa para o bronze da história, o será para a memória de vossas consciências.