Arthur Cezar Ferreira Reis
Iniciada a ocupação da terra brasileira após a verificação de que a concorrência francesa punha em grave perigo a soberania nacional portuguesa ao longo do litoral sul-americano, estabelecidos os primeiros núcleos urbanos permanentes que vieram substituir as feitorias dos tempos iniciais, lançaram-se os fundamentos da colonização. A experiência das capitanias, realizada principalmente pela ação de Martin Affonso de Souza e Duarte Coelho em São Vicente e em Pernambuco, servindo de prefácio a essa empresa política, foi naturalmente o passo que abriu o caminho a empreendimento de maior vulto, pouco depois inaugurado com o estabelecimento do governo federal e a fundação da cidade do Salvador, na Bahia. Enfrentando uma natureza hostil e não dispondo, naqueles primeiros instantes, de um motivo econômico de significação ponderável no comércio internacional, os portugueses decidiram-se, à luz do que iam verificando, criar esses motivos pela lavoura canavieira e pela criação de gado ou ainda pela coleta de outras especiarias, as chamadas “drogas do sertão”, que encontraram no extremo norte da colônia. Mais que todos os outros motivos econômicos, porém, a lavoura canavieira e a conseqüente indústria açucareira, montada em Pernambuco e São Vicente, fundamentou ou explicou a ligação com a terra e, com essa ligação, a fixação do homem, a organização da sociedade, a colonização intensiva, que não se interrompeu mais, conduzida que foi através uma política permanente, cautelosa, atenta.
E assim, penetrando a terra, ora em direção norte, ora em direção sul, ora, finalmente, em direção oeste, ampliada portanto a fronteira que se estabelecera em Tordesilhas, insistamos sempre nesse particular de nossa formação histórica, os portugueses e os outros elementos humanos que com ele cooperaram em tarefa de tamanha magnitude, inclusive os mamelucos, que eram o produto da mestiçagem com a mulher da terra, empreenderam uma obra de povoamento e de amansamento do espaço brasileiro que mereceu, pelo que refletiu e pelo que representou nos fastos da história colonial de todos os tempos, a frase famosa de Leroy Beaulieu: “uma obra prima”.
No primeiro século foi incorporada a costa em direção à bacia amazônica, que ficou sendo a fronteira extrema em 1616 e mais tarde deslocou-se, para ampliar-se, até o Vicente Pinzon ou Oiapoc. No segundo século, isto é, o XVII, processou-se a penetração do sertão anterior no vale amazônico e no nordeste e a marcha em direção ao Prata, que ficou sendo fronteira extrema no sul em 1680, quando ali foi levantada a praça forte e Colônia do Sacramento. No terceiro século, prosseguida a penetração interior, completou-se a obra de expansão ou de criação territorial. Minas, Mato Grosso e Goiás, alcançadas pelos sertanistas paulistas, pernambucanos, fluminenses, alagoanos, baianos e portugueses, integraram-se, em definitivo, na carta política do Brasil, por uma ocupação em massa, que fortificou os títulos de que se valeria Portugal nos seus pleitos de limites com Espanha, de vez que, recordemos, todo aquele mundo interior era legalmente, pelo ajuste de Tordesilhas, parte integrante do império de Espanha. Seis centros urbanos serviram, então, de focos de expansão: São Vicente, sobrepujado por São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Olinda, São Luiz, Belém.
Essa obra memorável de ocupação, de povoamento e de colonização que se efetivou em menos de três séculos de atividade, foi realizada em meio a múltiplas dificuldade. Ora era o gentio que procurava embaraçar a expansão, ora era o espanhol que tentava, num esforço desesperado, impedir que passasse a mãos de seus mais audazes concorrentes aquilo que eles haviam obtido no plano jurídico internacional. À medida, por isso, que a irradiação povoadora tomava vulto, Portugal apressava-se em assistir o povoador com a autoridade, a organização política que lhe garantisse o diretor, valesse nas horas aflitivas e contivesse o gentio ou o espanhol irritado e agressivo. Daí as Capitanias criadas nos territórios ocupados nessa fase, a tarefa pacificadora das Ordens Religiosas, à frente de todas a Companhia de Jesus, e o levantamento de fortificações que constituíram como que uma rede defensiva: Macapá, São Joaquim, São Gabriel, Marabitanos, Tabatinga, Príncipe da Beira, Nova Coimbra, Nossa Senhora dos Prazes, Santa Tecla, Santa Tereza, e Jesus Maria José.
Com os donatários haviam chegado os primeiros povoadores permanentes que receberam sesmarias para trabalhar ou vieram servir nos cargos que se criaram dentro da área de cada núcleo donatário. Com os governadores gerais, todavia, cresceu o contingente imigrantista, aumentando dia a dia. É que a terra brasílica aos poucos ia possibilitando bem estar material ao mesmo tempo em que o Oriente ia perdendo aquele carácter de velocino de ouro que estenteara espíritos e provocara a corrida portuguesa para a Índia.
É certo que não podemos falar em imigração em massa para o Brasil no primeiro século. Embora, já nesse século verificou-se um intenso tráfico de passageiros que se concentram principalmente na região nordestina, então a área açucareira de maior vulto. Imigravam portugueses e todas as várias regiões que conformam a paisagem fisiográfica e geo-humana portuguesa. Assim, passaram ao Brasil portugueses do norte, do centro e do sul do continente, como também das ilhas, Madeira e Açores. Podemos mesmo dizer que foram açoritas e madeirenses os lavradores de maior êxito nos inícios da empresa açucareira no nordeste.
No segundo século, cresceu a imigração. No terceiro, descobertas as minas da Gerais, de Goiás, de Mato Grosso, registrou-se, de par com o despovoamento do Reino, a imigração de verdadeiras multidões que deixaram Portugal na sofreguidão de enricar facilmente com o outro e os diamantes que se descobriram a todo instante. Segundo os cálculos do historiador mineiro Augusto de Lima Júnior, só para a região das gerais, entre 1705 e 1750, saíram para o Brasil, anualmente mais de vinte mil pessoas, o que nos dá um total de 900.000 indivíduos que, em quarenta e cinco anos do século XVIII se instalaram, assim, no interior de nossa pátria. do Minho, de Trás os Montes, da Beiras, desciam caudais humanos que disputavam lugares nas naus, que, formando grandes combois, partiam para o Brasil. Fidalgos, escreveu ainda o mesmo autor mineiro, militares, negociantes, trabalhadores do campo vendiam tudo quanto possuíam e largavam-se, cegos de ambição pelo ouro do Brasil”.
Ainda nesse século XVIII outros contingentes vultosos vieram engrossar a população contribuindo eficientemente na obra de colonização. Referimo-nos aos açorianos os que aos casais, foram expedidos às centenas de suas ilhas a começar de 1748/49, para Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Amazônia. Ótimos lavradores, considerava-os o governo português o elemento precioso de que se podia valer para garantir as fronteiras norte e sul em face dos perigos que vinham dos lados de Espanha e de França. No Pará, deram origem a Bragança, Tentugal, Ourem, Santana, Macapá, capital do Território Federal do Amapá. Em Santa Catarina, foram localizados no Desterro, Laguna, Imbituva, Porto Belo, São Miguel, Urussanga, São José. No Rio Grande, em Viamão, Porto dos Casais, que é hoje Porto Alegre, Santo Amaro, Rio Pardo, Taquari, Santo Antonio, Cachoeira, Triunfo, Mostardas, Rio Grande.
Até então, o povoamento era, grosso modo, um empreendimento privado. O imigrante dirigia-se ao Brasil seduzido pelo noticiário fabuloso que circulava. No período das minas, o Governo português decretara mesmo, para evitar o despovoamento do Reino, a proibição de saída para o Brasil, o que não impedira, porém, o “rush” que verificamos. Quando da transladação dos casais açorianos, no entanto, já assistimos a uma iniciativa oficial. Iniciativa oficial que se preocupou inclusive com a instalação desses imigrantes.
A obra de colonização do Brasil, é como sendo quase unânime dos que vem estudando o tema, foi realizado, no decorrer de nossos três séculos iniciais, pela ação permanente, cautelosa, atenta, dos portugueses, que não permitiram a presença de estrangeiros, receosos de que esses elementos pudessem, de qualquer forma, perturbar-lhes a política dominadora.
De certa maneira, a tese é verdadeira. Os portugueses, como os demais povos que então se entregavam à tarefa colonial, dispensaram, grosso modo, a cooperação de outros elementos que não fossem os que lhes vinham de Portugal ou de seu império. Dispensaram, princípios monopolistas de então, dentro das preocupações políticas dominantes, quando os coloniais se faziam dura concorrência, tentando a ampliação de seus espaços à custa do espaço de seus rivais, os portugueses mantiveram-se firmes, defendendo os territórios que descobriam e passavam a manter sob seu império, impedindo que homens de outras soberanias participassem, à larga, da façanha.
Afirma-se, também, que os portugueses fecharam seus territórios coloniais, na América, no Oriente, na África, apenas aos que não eram fiéis da mesma Igreja que eles haviam oficializado e sob cujo amparo haviam construído a nacionalidade, vencendo dúvidas, dificuldades, criadas pela mesma força religiosa a que se agarravam seus antigos senhores ibéricos. Dest’arte, ao invés de impedir a entrada do estrangeiro por que ele fosse estrangeiro e pudesse criar dificuldades na ação política, os portugueses fecharam-nas porque esses estrangeiros eram “hereges”, os homens da Reforma, contra os quais era preciso preservar os interesses espirituais da colônia.
O horror à contaminação herética, realmente foi, durante muito tempo, um dos melhores fundamentos da política que Portugal observou no assunto. Não constituiu, todavia, o fundamento único, básico, ou mesmo maior. Porque, ao lado dele, vamos encontrar, até certa superioridade, importância mais viva, o fundamento da soberania política, muito natural como o outro, dado que o estilo de vida da época exigia essas medidas de cautela, como na atualidade procedem os governos que agem no sentido de evitar que ideologias, que não sejam as oficiais, se instalem aqui e ali pondo termo ao sistema democrático vigente na quase totalidade dos países.
A necessidade de impedir que outros povos viessem participar da repartição feita em Tordesilhas entre portugueses e espanhóis levou-os aquelas providências. Franceses, holandeses, ingleses e irlandeses, por mais de uma vez tentaram instalar-se no Brasil, criando, nele, partes do império colonial que construíram à custa dos impérios de portugueses e espanhóis. Na Amazônia, nas primeiras décadas do século XVIII, portugueses e mamelucos brasileiros terçaram armas contra ingleses, holandeses e irlandeses que lhes disputavam o delta e o interior da grande área territorial. No Nordeste, a empresa militar, como todos sabemos, decorreu por entre os mais enérgicos capítulos de bravura e de desprendimento cívico, contra os batavos da aventura mercantil da Companhia das Índias Ocidentais. Em vários trechos nossos, bandeirantes e soldados luso-brasileiros houveram-se frente a frente com espanhóis, que tentavam impedir que constituíssemos o Brasil com a extensão que hoje possui.
Ora, em face de tamanhos perigos que, de quando a quando, assaltavam a colônia, como deixar de agir sem aquelas cautelas, impedindo que os estrangeiros viessem participar da obra colonial, para pô-la em perigo, conspirando contra ela, perturbando-lhe a evolução mansa? A política da porta fechada era natural, tinha explicação muito razoável, muito lógica, muito fundamentada.
Sucede, no entanto, que essa porta fechada não possuiu as características drásticas que se imaginam. Porque, ao contrário do que seria de esperar, os estrangeiros participaram da colonização, senão sem grossos contingentes, mas disseminados pela vastidão territorial, disseminados de molde a não criar insegurança. Daí aquelas expressões – “de certa maneira”, “grosso modo” e “a larga”, que empregamos atrás de logo deixando ver que a geralmente se proclama.
Não se registrou na América Portuguesa, é certo, a não ser na Paulicéia, onde o grupo espanhol tentou a sortida autonomista de Amador Bueno, o que vamos verificar na América Espanhola, onde existiram núcleos importantes e perigosos de portugueses, núcleos que impuseram medidas severas, criaram intranqüilidade, puseram mesmo em perigo a integridade territorial e econômica do império. Para exemplificar, Lima e Buenos Aires animaram-se como centros urbanos pela presença da multidão portuguesa que tinha a melhor, ocupando posições chaves nas atividades mercantis, o que vinha atribuir-lhes um prestígio, uma força que poderia ser desviada ou utilizada em benefício dos interesses políticos de Portugal. Não teria sido mesmo essa multidão portuguesa em Buenos Aires que explicou mais subterraneamente a ascenção política de Buenos Aires, em desfavor de Assunção, mãe de cidades, como lhe achou um historiador paraguaio, e centro urbano que dirigiu a expansão espanhola ao longo do Prata e cursos fluviais interiores da Argentina, ascenção necessária para conjurar os perigos criados com a presença dos portugueses? Na América portuguesa, os estrangeiros não foram grupos numerosos. Jamais, por isso, criaram o perigo da secessão da colônia.
Os portugueses, homens profundamente plásticos, adoraram, no exercício da empresa colonial, do Brasil, a grande política do bem viver com outros homens para a fundação da sociedade. Entre esses homens figuram os estrangeiros que, aqui e ali, iam chegando à colônia e, é certo, delas, por precaução política não estariam autorizados a sair. A legislação que se expediu de Lisboa, a respeito, determinou que nenhum estrangeiro, fosse ele católico ou não, atingindo o Brasil de cá pudesse regressar à Europa ou a qualquer outro trecho do mundo. De quando em vez mesmo, baixavam-se ordens mandando transferir estrangeiros considerados perigosos, de uma capitania para outra ou ordenando que deixassem o litoral para localizar-se no interior, longe de possibilidades de contacto com forças navais de suas práticas distintos por aquela plasticidade racial e política, os portugueses autorizaram a união legal de estrangeiros com mulheres da terra, mamelucas, ou com portugueses do Reino, união que tanto no norte como no sul, tem sido objeto de exame meticuloso dos linguagistas como Jaboatão e Pedro Taques, e ainda agora foi mais uma vez registrada por Gilberto Freire e Arthur Ramos quando se detiveram no exame dos contactos entre os europeus e os nativos brasilenses na América Portuguesa, união, no fim de contras, que veio provar a ausência de rigorismo para com o estrangeiro. Aliás, a propósito do assunto, que apenas estamos aflorando, vale recordar que essa entrada de estrangeiros no Brasil lusitano se processou em parcelas isoladas, quase que em unidades escassas, houve, antes da experiência de D. João VI, a quem geralmente atribuímos a política de franqueamento do Brasil as energias de outros povos que desejassem trazer-nos a sua seiva sem intenções imperialistas ocultas, tentativas de experiências coloniais com gentes européias não lusitanas. Foi o caso de um grupo de irlandeses e outros de suíços, trazidos para a Amazônia, o primeiro no século XVII e o segundo já no século XVIII.
Sobre o primeiro, sabemos, à luz da documentação que tivermos ocasião de compulsar na coleção Rio Branco, de arquivo histórico do Itamarati, que, ia término a luta contra a aventura britânico-batava na região, quando um grupo de irlandeses católicos solicitou a D. João IV, que acabara de subir ao trono restaurando a independência nacional de sua pátria, autorização para montar colônia no Distrito de Gurupá, onde se haviam tratado vários dos embates entre luso-brasileiros e os “hereges” acima referidos. O assunto foi imediatamente estudado pelos conselheiros de S. Majestade, aos quais estavam afetos os problemas da América Portuguesa. E nos primeiros instantes houve a intenção de aceitar a proposta, isto é, concordar com o que os irlandeses desejavam, autorizando-os a vir trabalhar conosco na feitura no novo espaço político que Pedro Teixeira acabara de assinalar para o império lusitano ao longo das águas amazônicas, marcam-lhe, de ordem superior, fronteira nas cercanias dos Andes. Uma maior meditação, todavia, pesados os perigos que talvez escondesse a proposta irlandesa, mesmo sendo os proponentes católicos, e voltou-se atrás. E o barco que conduzia os irlandeses e já navegava águas amazônicas em demanda do Gurupá, foi mandado regressar. Ano de 1643. os irlandeses não poderiam ser uma cabeça de ponte para uma nova incursão britânica? A presença daqueles estrangeiros não seria, de outro lado, uma isca convidando outros mais ousados a virem repetir ou insistir na conquista do extremo norte.
A experiência realizada com suíços foi levada a termo na fase em que a Amazônia era campo de uma gigantesca tarefa de dominação econômica e social, que os portugueses haviam iniciado, desde a passam de Alexandre de Gusmão pela alta direção dos negócios ultramarinos da velha monarquia. Açorianos, lusitanos de outras regiões em volumosa corrente imigrantista, desembarcavam constantemente em Belém para internar-se pela histerlândia e situar-se ao longo de Rio-Rei e seus afluentes dando vida aos núcleos que o poder público instalava ou aos sítios que se iam abrindo na floresta para o cometimento colonial. A colônia suíça, expedida de Portugal, deve ter chegado entre 1763 e 1772, no governo do Capitão-General Atayde Teive. Foram localizados esses suíços no Uanarapecu, povoado de Vila Viçosa de Madre de Deus. Que realizaram? Quantos eram? Como se comportaram na natureza bárbara que eram mandados amansar com seu suor? Não temos elementos para historiar com detalhes a experiência. Embora, essa experiência foi realizada, sabemos, o que vem mostrar que, se não escancaravam os portugueses as portas de sua colônia aos estrangeiros, nem por isso as trancavam aos que podiam, sem criar perigos, participar da empresa subordinando-se à soberanis lusitana.
A presença de estrangeiros no Brasil de XVI e XVIII, participando, com os portugueses, da empresa colonial que este empreendiam, conseqüentemente, foi uma realizada que ninguém pode contestar. A política de Portugal, com relação à entrada desses estrangeiros em sua colônia, caracterizou-se, no entanto, como vimos a vôo de pássaro nestas linhas, pelas reservas naturais, fundadas, que não impediram, contudo, que houvesse mesmo a experiência de uma colônia de suíços antes do ciclo joanino. Política ditada pela necessidade de salvar a colônia dos apetites de outras gentes colonizadoras, rivais no empreendimento imperial, por ela temos uma explicação razoável daquele episódio memorável que tanto tem autorizado a afirmativa graciosa de que Portugal trancava a colônia aos olhares persautadores do estrangeiro. Referimo-nos à ordem expedida em 1800 a D. Francisco de Souza Coutinho, Capitão-General do Grão Pará para que aprisionasse um tal Barão de Humboldt se ele ousasse penetrar as terras de S. Majestade a Rainha D. Maria I.
No episódio em questão, ao invés de uma medida decretada contra a inteligência, o que se objetivava era preservar a colônia de infecção francesa, então tida pelos governos absolutistas, qual o português como a pior das infecções políticas. E os homens da estatura de Humboldt eram, na generalidade, adeptos da ideologia francesa, irradiada pelos pensadores revolucionários. A providência policial prendia-se, dest’arte, não à aversão ao estrangeiro, mas ao possível portador de ideologias perigosas. Portugal mantinha-se fiel aos princípios que lhe vinham ditando normas políticas.
Além desses elementos nacionais e alienígenas de que se valeu Portugal para a tarefa da ocupação dos espaços litorâneos e interiores do Brasil, outros houve que não podem ser ignorados nesse registro sumário que estamos fazendo aqui: o gentio, o escravo, negro e o judeu.
O gentio, embora encontrado em verdadeiras multidões como senhor da terra, não podia, então ser considerado como um elemento apreciável dada a sua permanente modalidade. Trabalhando, porém, pelos missionários católicos, perdendo aquela condição que tanto o distinguia, aldeiado, levado a outras condições de vida ou mesmo servindo nas coisas domésticas ou nos misteres do diário dos colonos como caçador, pescador, mateiro, guia de expedições, identificador das mil particularidades da selva, passou a povoador. Integrando as comunidades políticas que foram sendo constituídas, unindo-se perante a lei ou não com o branco serviu na formação de uma nova sociedade, a sociedade mameluca que tanto explica nossas origens, nossas atitudes, nossa composição social e psicológicas.
O negro escravo, por que inscrito nos quadros dos trabalhadores da lavoura e da mineração, constituiu contingente vultosíssimo, sem o qual teria sido impossível realizar o empreendimento agrário e mineiro do ciclo colonial. Nele repousando as atividades que resultaram na formação de nosso lastro e de nossa realidade econômica, somou uma energia humana ponderabilíssima nos totais povoadores, que representou.
O grupo judeu, proibido de viver no Reino, desde os primeiros dias de nossa existência, fora autorizado a transportar-se para a América portuguesa na condição de cristão-novo. Espalhando-se por todo o Brasil, foi ele o grande comerciante de açúcar, de ouro, de diamantes, do mesmo modo por que serviu como “peruleiro”, na façanha da penetração mercantil que Portugal realizou suavemente, mansamente, nos territórios de Espanha desde as Antilhas ao Prata. Mais de uma vez esteve às voltas com a Santa Inquisição. Tendo colaborado eficientemente e ativamente com os holandeses por ocasião da invasão holandesa, foi expulso do nordeste após a retirada dos batavos. No “rush” do ouro e dos diamantes, porém, voltveu intensamente, sem que, dessa vez, contudo, se tivesse visto envolvido nas ___ dos processos inquisitoriais.
Com relação a esses contingentes povoadores, tem havido a acusação de que eram, em grande parte, recrutado do seio dos presídios. Nossos ancestrais, em conseqüência, teriam saído das escolas do vício, do crime. Devemos atender, no exame desse assunto a que, se na verdade foi o Brasil considerado terra de degredo. A legislação vigorante ao tempo inscrevia na relação de crimes sujeitos a degredo para a terra de Santa Cruz muito gesto, muita atitude, muito uso e costume que, nos dias atuais, nem ao menos está verbado como simples contravenção. Desde logo, porém, saibamos que o número de criminosos expedidos para o Brasil foi grande, muitos deles realmente tendo cometido atos possíveis, ainda hoje, da ação punitiva do estado. E não teve um caráter passageiro, experimental, essa remessa de maus elementos. No decorrer dos séculos XVII e XVIII e ainda na primeira década do século XIX ela continuou trazendo ao país homens punidos pela justiça, mas que, ao contacto com o novo meio e as possibilidades que ele lhe apresentou, vieram forças apreciáveis na organização da sociedade. Atitudes semelhantes, aliás, tiveram todas as outras nações colonizadoras. Espanhóis, franceses e ingleses levaram para suas colônias elementos de péssimos antecedentes que, em virtude da lei penal, foram degradados para a América. Nenhum povo colonizador pode, em sã consciência, portanto, atirar a primeira pedra sobre Portugal. Demais, tais elementos, recrutados na prisões ou na vadiagem das ruas das cidades portuguesas, constituíram uma parcela insignificante. O que Portugal nos mandou no decorrer das três centúrias de sua dominação foi buscado ou saiu espontaneamente dos centros de atividade industrial ou agrária da velha nação. Emigraram para o Brasil, assim além de lavradores, das áreas agrárias portuguesas, trabalhadores de ofícios que foram os primeiros técnicos da pequena indústria, do artesanato que recriou entre nós, mestres das mais variadas profissões e representantes das melhores famílias do Reino.
A política de povoamento que Portugal realizou no Brasil caracterizou-se, portanto, como acabamos de verificar tão sucintamente, como uma política norteada pelos melhores propósitos. Inicialmente, imaginando fazer do Brasil apenas uma área para o comércio com a gentilidade, nele apenas situou pequenos grupos populacionais. Posteriormente, porém, mudando de orientação, preservando-o do apetite dos concorrentes estrangeiros ocupou-o eficientemente, para tal valendo-se de todos os elementos humanos de que podia dispor.
A experiência portuguesa na colônia, que montara no Sul América encerrou-se ao principiar o século XIX. No decorrer de três séculos, o colonizador conseguira ampliar o espaço, criando uma nova fronteira que garantia ao Estado um território três vezes maior do que aquele que lhe fora concedido no ajuste tordesilhano. Nesse espaço, vencendo dificuldades opostas pelas populações nativas, com elas mestiçando, dest’arte criando novo tipo social, o mameluco, que constituirá a grande força de que dispusera para a empresa da ampliação territorial, realizara um dos empreendimentos de maior ponderabilidade, dos fastos coloniais modernos. Estabelecera a grande lavoura canavieira. Importara a mão de obra africana, que funcionara na base da escravidão. Fundara centenas de núcleos urbanos. Toda uma ampla política colonial experimentara com êxitos memoráveis. Porque, antes de tudo, convém lembrar que a experiência colonial portuguesa fora processada nos trópicos. E nenhum povo europeu conseguira, nem conseguiria posteriormente, nos trópicos americanos ou não, os êxitos que os portugueses obtiveram. Tem, portanto, todo fundamento, as afirmações de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda quando, embora conduzindo suas reflexões dentro de pontos de vista distantes entre si, chegaram à de que a empresa portuguesa, no Brasil, revestiu-se de surpreendente sucesso. Profundamente plásticos, amoldáveis aos meios mais agrestes, destituídos de preconceitos racistas, marcados mesmo por um sentido de fraternidade com os homens de cor, os colonizadores puderam submeter a nova terra e nela estabelecer os fundamentos de uma civilização de características próprias. Quando, por isso mesmo, em 1808, aportou no Brasil a família real que deixara o Reino para escapar à fúria napoleônica, o Brasil possuía já condições de vitalidade que o predispunham para as reformas que pudessem conduzi-lo ao usufruto de uma soberania completa. E tanto assim era que o príncipe D. João, iniciando a nova etapa da vida nacional do Reino Ibérico no Brasil, logo lhe garantiu, por medidas político-administrativas, aquela condição especialíssima ____, no Rio de Janeiro, a capital da monarquia portuguesa, passo decisivo para tamanhos objetivos. A translação da família real para o Brasil, todavia, não lhe valeu, porém, apenas o apressamento da autonomia. Porque a política que D. João entrou a executar, abrangendo todos os campos da vida regional, deu em resultado uma maior vitalização social, econômica e cultural da antiga colônia.
No que diz respeito à economia, duas providências iniciais podem servir para compreendermos a extensão dos resultados que se colheram: a abertura dos portos à navegação e ao comércio internacional e a revogação do alvará que proibiu o funcionamento da indústria de tecidos. Porque, de logo, principiou o relacionamento direto da antiga colônia com os mercados que careciam da matéria prima que passou a exportar e lhe venderam, sem o intermediário de Lisboa, as mercadorias produzidas nos parques europeus; e a reinstalação dos teares, fechados pelo alvará de D. Maria I, e a ampliação dos que se haviam mantido abertos por só produzirem aos panos de inferior qualidade utilizados, na indumentária dos escravos.
A valorização do Brasil, entrando prontamente nas cogitações de D. João, foi programada pelos Ministros, Conde de Linhares e Vila Nova Portugal, aquele preferentemente. Homem de mentalidade pragmática, afeiçoado aos ingleses, possuía uma consciência profundamente exata das realidades brasileiras e dos demais trechos do império ultramarino de Portugal. Imaginava vigorizá-los para restaurar a potencialidade pátria. O Brasil, de todos esses trechos, era a sua preocupação maior. Nos planos que então se traçaram figuraram os relativos à colonização e à imigração. Linhares, impressionado com o trabalho escravo, pretendeu importar chineses. Vila Nova voltava-se para colônias de europeus, neles incluídos os próprios portugueses.
No tocante à colonização, o problema foi fixado tendo-se em conta o aproveitamento nacional do trabalhador nativo, representado no gentio das selvas, e a importação de estrangeiros portugueses de outras áreas do império.
Quanto ao gentio, regressou-se um pouco ao sistema dos núcleos dirigidos por funcionários do Estado, destarte restaurando-se a experiência tentada por Pombal após a decretação das medidas drásticas contra as Ordens Religiosas. Esses núcleos foram estabelecidos à margem de caminhos terrestres e de cursos fluviais. Visava-se, assim, garantir, ao longo do território interior do país, o acesso seguro, criando postos de socorros aos viajantes e sítios onde os filhos das selvas se investissem da dignidade de seres humanos, integrados em novos estilos de vida, servindo à coletividade e a eles mesmos como elementos úteis, capazes de um bom rendimento.
Com relação aos imigrantes estrangeiros e portugueses de outras áreas, a política adotada iniciou-se pelos atos que abriram o país a todos quantos, sem exceção de nacionalidade, quisessem vir cooperar em seu desenvolvimento, de preferência técnicos para as indústrias que se instalavam; e prosseguiu com a importação de açorianos, localizados no Espírito Santo, na Bahia e em Santa Catarina, e de suíços e alemães do Hanover, localizados na Bahia e na capitania do Rio de Janeiro.
A experiência realizada no Espírito Santo verificou-se na colônia denominada Viana. Ali foram situados, inicialmente, 30 casais de açorianos, aos quais o Estado entregou um trato, instrumentos para trabalho, espécies animais e vegetais e aos quais ainda concedeu uma pequena assistência financeira no período inicial da experiência.
Em Santa Catarina, as colônias localizaram-se preferentemente ao longo do litoral, destinadas que eram a explorar a pesca. O grupo mais numeroso ali não foi de açorianos, mas de pescadores de
Quanto aos alemães concedidos a eles terras no município de Vila Viçosa, fundaram, em 1818, a colônia de Leopoldina, que desenvolveram grandemente, mais onde tudo realizaram na base do trabalho escravo. Em 1820, outro grupo de alemães estabeleceu-se nos Ilhéus. A colônia não prosperou, os alemães, abandonando-se instalaram-se no mesmo município, em outras áreas, iniciando a cultura do cacau em que tiveram êxito.
Os colonos suíços foram trazidos em número de 2.000, em 1820, e localizados na fazenda do Queimado, no Friburgo. Para tal, o governo joanino firmara contrato com Luiz Nicolau Gachet. A esses colonos, o estado concedeu favores que visaram facilitar-lhes a ligação com o novo meio e garantir-lhes o regimento. Além de terras, instrumentos e espécies, gado, víveres para os primeiros tempos, isenção de impostos, por dez anos, para o fruto da atividade que desenvolvessem, um salário de 160 réis diários durante os doze meses posteriores à chegada e 80 réis nos imediatos, até êxito seguro da colônia. A experiência foi, porém, trabalhosa. Os colonos houveram-se com dificuldade de toda sorte. De começo, padeceram os horrores de um transporte defeituoso e oitenta deles, ainda na travessia do Atlântico, vieram a falecer. A dificuldade de acesso à colônia o que impossibilitara ao colocar o que produziu nos mercados de consumo mais rendosos, as explorações de que foram vítimas, os colonos, a incapacidade que revelaram um novo habitat e era uma decorrência de má escolha que o contratante havia feito do pessoal que transportou (em maioria eram velhos, crianças e mulheres), a falta de preparação prévia do espaço que lhes foram concedidos, o que os transformou, de colonos, em pioneiros desbravadores de selva, constituindo um conjunto de fatores negativos, explicaram o fracasso da iniciativa. Porque na realidade, em breve a colônia entrava em decadência como empresa estatal na espécie.
É de registrar-se, por fim, ainda no ciclo joanino, a tentativa realizada com grupos de italianos de Nápoles. Negocia o transporte para o interior do Brasil com a corte daquela pequena monarquia, de 3000 indivíduos tirados às galés, apenas chegaram ao Rio 200, que nada produziam, como não podiam produzir.
O período joanino assinalando-se, no capítulo da política migratória e colonial, por essas experiências e com o franqueamento do país, ao estrangeiro, criara ambiente para a entrada deles. E algumas centenas de franceses e ingleses, que se fixaram nos maiores centros urbanos do país, vieram para o Brasil. Esses estrangeiros na generalidade dedicaram-se ao comércio. Os ingleses importando e exportando mercadorias das indústrias britânicas e a matéria prima e os gêneros agrícolas de que dispúnhamos para o grio mercantil. Os franceses, dedicando-se ao negócio de modas e objetos de toucador e atividades marginais.
A participação de imigrantes na colonização e na conseqüente empresa de desbravamento econômico do Brasil após a independência apresenta caráter de objetividade e de intensidade verdadeiramente surpreendente. É que, embora todo o país no decorrer do período imperial, repousar-se na base do trabalho escravo, aos poucos se fora criando a certeza de que aquela situação seria alterada para outros padrões com a liberação do africano e a substituição dele pelo trabalhador livre, que teria de ser importado. A mão de obra indígena era escassa ou de rendimento sem a menor expressividade. A mão de obra negra, não sendo barata, apresentava inconvenientes que aos poucos se iam verificando. Demais, a campanha contra o tráfico tomava vulto. A importação diminuía a olhos vistos.
As experiências levadas a termo com os alemães e suíços é certo que não tinham provado bem. Embora, aos poucos se foi enraizando a idéia de que havia toda necessidade de incorporar, aos quadros populacionais ativos do império, outros elementos que seriam, forçosamente, os estrangeiros imigrantes. Esse pensamento tomava conta dos círculos oficiais. Os pensadores políticos, do tipo Tavares Bastos, também afirmaram a grande resistência. Dentro dessa ordem de idéias, o governo imperial começou a agir: ora através da propaganda, que organizou na Europa, acerca das excelências da vida no Brasil, possibilidades magníficas para enriquecimento, todo um conjunto de condições que garantiam o melhor êxito ao imigrante; ora através do imediato contrato e transporte de imigrantes que orientava em direção aos trechos de terra situados no sul do Brasil. A propaganda, embora organizada em bases fantasiosas, deu resultados de certo modo interessantes. Porque, seduzidos pelo que ela anunciava, não foram poucos os europeus, alemães principalmente, que se transportaram para o Brasil, de iniciativa própria. A imigração organizada pelo estado, essa sim, produziu frutos magníficos. Porque foi em conseqüência desse esforço preliminar oficial que as levas de imigrantes europeus passaram ao Brasil, iniciando a nova experiência colonial em grande estilo. Atrás da iniciativa oficial, a iniciativa privada, de companhias que se constituíram e operaram em grande o transporte e a colocação de imigrantes no país.
Vasta legislação foi sendo decretada, seja pelo governo central seja pelos governos provinciais. Visava essa legislação criar condições favoráveis à entrada e localização de imigrantes. Muitas das províncias procuraram mesmo realizar uma política imigrantista e colonial, pelo transporte de imigrantes europeus e pela imediata situação deles em colônia que fundaram e as quais deram assistência constante, financeira e material. Os resultados de todo esse esforço, que nem sempre foi orientado com o devido critério, mas de uma vez criando problemas pela facilidade porque se buscavam os imigrantes e pelo tratamento que lhes dispensava e era muito diferente daqueles lhes anunciara, na verdade foram bons. Ainda recentemente, um critério da política imigratória e colonial realizada no império, tinha ocasião de ferir-lhes vários aspectos, indicando dos desacertos que a caracterizavam e os rendimentos que ofereceu apesar de todas as imprevidências praticadas. E do balanço a que se lançou, pareceu-lhe que, conquanto imperativo das próprias condições de vida que desejávamos alcançar, a política imigratória e colonial do império não constituiu uma política praticada com o aproveitamento desejável. É certo que se cometeram muitos erros, mas, nem por isso podemos deixar de evidenciar que tal política produziu frutos magníficos. Aquela conclusão parece-nos, por isso, um tanto pessimista.
E isso porque, no exame do que foi realmente tal política, temos de partir do exame das condições existenciais do império. Espaço imenso, marcado por diferenças climáticas, fisiográficas, econômicas ponderabilíssimas, o Brasil tropeçava, então, com os problemas que herdaria do passado colonial ou lhe eram impostos pela civilização a que se integrava. A terra estava nas mãos de grupos senhoriais ou constituía selva bravia até onde não chegara a ocupação pelo homem saído dos centros urbanos. O trabalho era uma obrigação dos escravos. Não havia indústria de vulto que exigisse os técnicos ou os operários qualificados que a Europa pode proporcionar. Epidemias de quando em vez feriam fundo a população. O imigrante, em conseqüência, tinha de haver-se com essa realidade, que não oferecia aspectos muito favoráveis à sua ação. Ao invés de colono ou operário industrial, o imigrante transformava-se em pioneiro, desbravando a hinterlândia para criar ambiente produtivo. Lutava sem quase assistência contra as enfermidades que lhes abriam claros enormes. Enfrentava a concorrência do negro escravo. O desajustamento era evidente.
Os incidentes que se verificaram com os imigrantes, que nos primeiros tempos entraram em choque com os hábitos, com o sistema de trabalho que encontraram, com as condições precárias de novo habitat, provocaram muitas vezes verdadeiros escândalos. A propaganda desordenada, dentro do estilo ufanista, portanto na base de afirmações que não expressavam verdades mas entusiasmos de linguagem, de outro lado, permitia uma contrapartida vigorosa dos que, em missão de seus governos ou, de iniciativa própria, visitavam os grupos emigrados e deles recebiam queixas ou verificavam suas condições de vida diferentes daquelas que a propaganda organizada vieram-se, por isso, medidas que visavam a cautelar os interesses dos imigrantes, impedindo-os de vir fazer a nossa experiência. Essas medidas foram, nada mais nada menos que, a proibição total para saída com destino ao Brasil.
Embora, a emigração processou-se sempre em ritmo crescente, tanto mais quanto a legislação não criava dificuldades à medida que o trabalho escravo entrava a perder sua vivacidade inicial. Demais, aos poucos se fora trabalho autorizavam mais rigorosamente a instalação e os êxitos que os imigrantes estavam alcançando, um ambiente de entusiasmo à volta das correntes estrangeiras que procuravam o país, abrindo-lhes a oportunidade para a realização de grandes empreendimentos, destarte oferecendo-se-lhes margem para uma integração na natureza física, social e econômica do país.
Em conseqüência, ás vésperas da queda do império, o ritmo de entrada de imigrantes crescia. Explica-se o motivo: a libertação dos escravos que pusera fim ao esplendor agrário do norte e fazia que o sul, com o trabalho do imigrante começasse a tomar posição mais ponderável nos quadros econômicos nacionais.
É de notar-se, desde logo, porém, que foi com a república que o movimento imigratório tomou corpo definitivamente. Todas aquelas reservas que ainda aqui e ali se ouviam contra os estrangeiros, que poderiam, alegava-se, perturbar nosso processo de formação étnica ou espiritual, pois que, grosso modo, as regiões européias que mais exportavam mão de obra eram as mais ligadas ao protestantismo, entraram em crise. A legislação que a república decretou, até 1930, por isso mesmo visou sempre, sem que os interesses nacionais perigassem, facilitar a vinda dos trabalhadores estrangeiros. Essa legislação pode ser sintetizada nos seguintes atos: 28 de junho de 1890, 3 de novembro de 1911, 6 de janeiro de 1921, 31 de dezembro de 1924. Visava-se, então, a translação do imigrante para a lavoura. Essa a preocupação fundamental. O processo de industrialização do país continuava na infância. Ora esse imigrante era levado ao trabalho nas áreas agrárias paulistas, para a cultura e a colheita do café, ora era levado a outras áreas do sul a fim de, em colônias montadas pelos governos federal ou estadual, dar origem a novos núcleos urbanos e centros de atividade agro-industrial. Nesse particular merecem uma referência particular a ação dos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os quais criaram facilidades e incentivos especiais para a vinda de imigrantes e sua localização.
Entre 1820 e 1856, haviam chegado ao Brasil 1.346.000 trabalhadores negros escravos, assim distribuídos por períodos:
1820/29 – 350.000
1830/39 – 400.000
1840/47 – 250.000
1851/56 – 5.000
Não temos elementos suficientes para siquer estimar as entradas de imigrantes, antes europeus, antes nesse mesmo período. As estatísticas apenas nos permitem contemplar o quadro dessas entradas a começar de 1864. De então até o fim do império, recebemos 621.362 imigrantes:
1864/72 – 88.823
1873/86 – 304.796
1887/89 – 227.743
Desses, 192.687 eram portugueses, 174.825 italianos, 30.391 espanhóis, 27.208 alemães, 10.186 franceses, 9.846 austríacos, 7.615 ingleses e 3.938 norte-americanos. Dos norte americanos, 3.515 chegaram após a guerra de secessão, instalando-se em Santarém, no Pará e nas cercanias de São Paulo.
De 1890 a 1944, num total de 3.916.875 indivíduos. Essas entradas apresentaram os algarismos seguintes:
1890/1900 – 1.236.142
1901/1910 – 671.351
1911/1920 – 697.744
1921/1930 – 940.215
1931/1944 – 371.423
Nessa fase, os italianos contribuíram com 1.100.000 indivíduos; os portugueses com 1.100.000; os espanhóis com 560.000; os alemães com 163.000; os japoneses com 189.158; os russos com 100.000; os austríacos com 80.000; os sírios-libaneses com 50.000; os poloneses com 47.740; os chineses com 1.732. Em todo esse conjunto podiam contar-se entre 50.000 a 100.00 judeus.
Os portugueses permaneceram, na generalidade nas cidades; os italianos, ora se localizaram nos centros urbanos, ora se dirigiam para as áreas agrárias.
O elemento chinês fora objeto de grandes cogitações nos dias do Império. Criara-se lhe, porém sérias dificuldades à entrada. É que se afirmava que ele viria substituir o braço do escravo negro, como “coolies”, portanto como trabalhadores em regime de servidão. Os que chegaram ao Brasil na República vieram de iniciativa própria.
O contingente japonês ingressou no país a começar de 1908. Localizou-se preferentemente em São Paulo. Atuou no empreendimento agrário. Na Amazônia, nunca passou de 4 a 5 centenas. Deve-se-lhe, apesar de todas as reservas que se lhe faz por motivos políticos e étnicos, a introdução da cultura da juta.
Sírios e libaneses principiaram a trazer-nos a sua contribuição, que tomou corpo na República, desde 1880. distribuíram-se por todo o país. Não são colonos, mas homens de pequenos negócios, mascates que percorrem o interior ou nele se fixam na movimentação da compra e venda em pequena e grande escala. São plásticos. Não tem criado problemas políticos, facilmente entrosando no nosso organismo social.
Os poloneses, dominados por certos prurido de superioridade e com pretensões a criar na Sulamérica uma grande área imperial, começaram sua transplantação para o Brasil em 1892, dando-lhe vigor a partir de 1914/18. Vivem principalmente no Paraná. São colonos. Não tem criado, todavia, dificuldades.
Italianos e alemães, de todos, constituíram sempre o contingente migratório mais preferido, de ação mais dinâmica e de intervenção, ao nosso processo de desenvolvimento, mas ponderável. Distribuem-se pela zona sul. Exercem atividades agro-pecuárias. Foram e são energia muito saudável na construção de nosso parque industrial. Os alemães foram acusados de constituir quistos, por se manterem isolados, distantes da vida brasileira, de olhos voltados para a prática distante. Falou-se muito, desde os começos do século, no perigo alemão no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Se realmente constituíram perigo para a segurança nacional ou se recusaram participar mais decididamente de nossa evolução pelo entrosamento conosco, vivendo nossos problemas e através seus descendentes incorporando-se a nosso ritmo existencial, em grande parte a culpa cabe a nós mesmos, que não nos preocupamos na realização de uma política de incorporação efetiva desses elementos estranhos, abrasileirando-os a exemplo do que realizaram os Estados Unidos com os imigrantes que ali se fixam e em pouco se integram definitivamente na civilização regional. Temos permitido, à falta de uma ação construtiva, inteligente, hábil, que esses grupos mantenham-se na condição de marginais. As providências tomadas, sofregamente, quando se apontam os perigos dessa situação não tem sido, por outro lado, medidas eficientes, capazes de produzir os frutos que todos devemos desejar e pleitear, tanto mais quanto possuem geralmente um caráter emergencial.
No tocante à colonização, a política brasileira foi caracterizada pela ação preferente do Estado, o que não quer significar que a iniciativa privada, das companhias de colonização não foi o Estado que, mais decisivamente, o que era natural, agiu nesse particular. Prosseguindo a política que vinha do ciclo joanino, tanto sob o império como sob a república, o governo, seja o de ação nacional, seja o de ação provincial ou estadual, criou os núcleos coloniais, com elementar nacionais e estrangeiros. Assim, para exemplificar em certos trechos da fronteira (Amazonas, Pará, Mato Grosso) foram localizadas colônias militares, onde eram situadas guarnições do exército e famílias civis, às quais se concediam lotes que deviam, com a assistência oficial, trabalhar para criar a riqueza compensativa. Em outros vários sítios do interior do país, igualmente criaram-se núcleos adotando-se o sistema de concessão de terras a lavradores. Sucede, todavia, que nem sempre esses núcleos receberam a conveniente assistência técnica, capaz de levá-los ao progresso ou se instalaram em posição que autorizasse essa progressão. Muitas vezes, os sítios aproveitados eram impróprios à lavoura ou ficavam distantes demais de centros até onde levar a produção. A política de colonização, com grupos brasileiros, forçosos é registrar, não produziu os resultados que se esperavam.
Já não ocorreu o mesmo com os núcleos coloniais montados para os elementos estrangeiros. Porque, além da assistência financeira e técnica, esses elementos possuíam um lastro de cultura muito superior ao dos nossos homens. É preciso ou é conveniente assinalar que, toda vez que os núcleos estrangeiros foram localizados em situação idêntica aos dos núcleos nacionais, o fracasso revestiu-se das mesmas características do que se verificou com os nossos. Bastará recordar o que ocorreu com grupos de alemães de Volga, localizados no Paraná. Esse núcleo foi montado em área imprópria. Os colonos sentiram-se para os Estados Unidos. Um grupo reduzido, decidido a vencer no Brasil, retirou-se para zona da mata, que verificou ser boa e ali triunfou.
A colonização alemã constituiu, todavia, a maior experiência. Principiou, sob o império, em 1824, com o ingresso de 38 indivíduos, levados para a antiga feitoria de linho cânhamo, montada pelos portugueses na fase colonial. Esse núcleo recebeu o nome de São Leopoldo e pode ser considerado o nódulo fundamental da colonização alemã no extremo sul.
Em Santa Catarina, o nódulo inicial foi o de São Pedro de Alcântara, fundado em 1828. No vale do Itajaí, no entanto, é que se processou a maior experiência alemã naquela província, iniciada em 1850 com o estabelecimento, pelo Dr. Blumenau, do núcleo a que deu seu próprio nome, prosperou de maneira memorável, garantindo um esplendido êxito ao empreendimento colonial. Merece igualmente uma referência especial a colônia D. Francisca, estabelecida em 1851, hoje a cidade de Joinville.
No Paraná, a colonização alemã principio em 1829 no núcleo Rio Negro. Em Minas, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro fizeram-se igualmente experiência com grupos alemães. De todos, os que ascenderam em importância, garantindo-se uma posição excepcional no quadro brasileiro foram os núcleos de Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis.
Como colonos, os italianos distinguiram-se pelos núcleos estabelecidos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. No extremo sul, seu núcleo, de maior importância, foi o de Caxias. Os italianos, vindos como trabalhadores para a lavoura, ingressaram em São Paulo em maior volume, servindo como assalariados nas fazendas de café, ou, como já referimos atrás, instalando-se nas cidades como trabalhadores nas indústrias.
Antes de finalizar esse quadro rapidíssimo da empresa imigrantista e colonial de que foi teatro o Brasil depois da independência, queremos referir-nos à iniciativa privada nesse particular. Essa iniciativa partiu de um homem que reagiu, numa época de preconceitos e malquerenças para com o estrangeiro, dando um grande exemplo de inteligência e revelando uma consciência pragmática bastante intensa. Foi ele o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Possuindo propriedade agrária em Ibituva, em São Paulo, e compreendendo que o trabalho livre produzia um rendimento maior que o trabalho escravo, recorreu à importação de europeus, com os quais iniciou a grande tentativa. Esses colonos eram minhotos, alemães, suíços. O sistema adotado foi o da parceria, isto é, a produção colhida dividida em partes entre o proprietário da terra e os operários rurais que a haviam trabalhado.
A iniciativa, seguida por outros proprietários rurais, não fio coroada de melhor êxito, mesmo porque se verificaram certos incidentes que, de certo modo, a prejudicaram. Fez-se mesmo certo alarde em torno a esses sucessos. O feito de Campos Vergueiro, mesmo como esse contratempo, representou, na época, é preciso salientar bem esse aspecto do assunto, um grande passo que marcou uma etapa na história da imigração para o Brasil e do empreendimento colonial, de vez que era a primeira atitude assumida por um particular acreditando na mão de obra livre ___ atividade que não do Estado.
A contribuição imigrantista do desenvolvimento do Brasil, no decorrer do Império e da República, foi de magnitude verdadeira apreciável. A área sul do país vitalizou-se fortemente. A fronteira econômica evidentemente recebeu um deslocamento, aproximando-se da fronteira política, marcada no período da dominação portuguesa.
Dentro do clima universal, mantivemos a política da porta aberta durante mais de cem anos. Quando, todavia, esse clima se alterou nos países imigrantistas, aceitamos a nova situação, iniciando a política das restrições, que visaram acautelar, política e etnicamente, os interesses nacionais. A legislação decretada a 9 e 16 de maio de 1934, 4 de maio de 1938 e 20 de agosto de 1938 (regulamento 3010), atendeu aquelas preocupações. É necessário recordar que, a partir do post-guerra 1914/18, as nações imigrantistas tinham adotado providencias para evitar a evasão de seus contingentes populacionais, pois que deles careciam para reestruturar-se econômica e demograficamente. O desgaste no decorrer do grande conflito explicava a orientação.
Na conjuntura atual, em face de problemas políticos, sociais e econômicos que exigem a ponderação, a serenidade, nas soluções que se impõem, a política a adotar a que deve atender? Estamos vivendo uma transição: de economia agrária para uma economia mista, isto é, agro-industrial. A política a adotar deverá, portanto, aceitar a existência dessa situação. A natureza desta disciplina não nos autoriza, porém, maiores considerações.
« Back to Glossary Index