Natural de Alagoas, era médico formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Em 1909 era Professor ordinário de Medicina Legal, da Faculdade de Medicina e a partir de 1.º de fevereiro, vice-diretor da Faculdade de Ciências e Letras. Neste mesmo ano foi Professor, em comissão, da cadeira de francês e membro interino da Comissão Científica. Em 1911 era Professor ordinário de francês e membro da Comissão de elaboração da Reforma dos Estatutos da Universidade chegando a ser Examinador na Faculdade de Ciências e Letras. Em 1912 era Examinador na Faculdade de Ciências e Letras e Professor interino de Higiene Geral do 2º ano de Odontologia, da Universidade Livre de Manaós. Faleceu em 22 de março de 1913.
ARQUIVO NOVO PARA CONFERÊNCIA
ÁLVARO MAIA – A LUZ CENTENÁRIA
ROBÉRIO BRAGA
De família modesta e comum entre os amazonenses. Seu pão era o cearense Fausto Ferreira Maia, falecido em 1932. Sua mãe, amazonense, Josefina Botelho Maia, falecida em 1968. Seus irmãos, Antônio Botelho Maia – fiscal de consumo, Prefeito de Manaus e Deputado Federal pelo PSD – 1948-1959; Raimundo Botelho Maia – funcionário federal falecido em 1942; e Nenê, falecida em 1902, ainda em tenra idade.
Cresceram a ver a floresta, os rios e o florescimento de Humaitá, região na qual o sítio-seringal denominado de “Goiabal” tinha reduzida expressão econômica. Não competia com o “Miracy”, firmeza, Aliança, Três Casas, Popunhas, Abelhas, Paraíso, nos quais se construiu a história portentosa da região.
Por certo as esperanças da família também navegaram pelo rio das Madeiras a bordo dos vapores Perserverança, Elias, Guarany, Campos Salles, Montenegro, Justo Chermont, Humaitá, Prudente de Moraes, Rio Branco, Rio Manicoré, Rio Mar que venciam, rio acima rio abaixo, as propriedades de Acácio Ferreira do Vale, Álvares Afonso, Ana da Costa Botelho, Manoel Pereira Gonçalves, Coronel Antônio Francisco Monteiro, e outro mais.
Um elo foi permanente, profundo, de amor aos filhos e dedicação à terra, aos afilhados, ao seu povo simples e humilde – Mãe Fina. Mesmo nos píncaros da glória concedida pelo poder temporal que exercia, e do qual jamais se valeu, Álvaro ali estava, vez em quando, a rever a mãe, a escrever, a meditar, a reencontrar-se.
O JORNALISTA
Foi de muito cedo sua definição pelo jornalismo. Em 1904 já escrevia no “Curumi”, órgão estudantil, talvez sua primeira contribuição na imprensa e seu texto inaugural, iniciando uma trajetória que seria longa e profícua, ainda que interrompida por várias circunstâncias.
Em 1907 iniciou-se no órgão ginasiano Aura (1907-1912) passando logo a seguir para “A Tribuna” (1911), e antes mesmo do raiar de 1913 era convocado para a redação do “Jornal do Commércio”, de Vicente Reis e logo depois “A Imprensa” (1917) com Benjamin Lima, Alfredo da Matta e Caetano Estelita; seguindo-se “Gazeta da Tarde” de Ageu Ramos; “O Norte” de Paulo Elheutério: “O Dia” de Aguinaldo Ribeiro, “Jornal do Povo”, de Paulino de Brito e Clóvis Barbosa, “Estado do Amazonas com Raul de Azevedo, Leopoldo Peres e Francisco Galvão, “O Jornal”, “A Gazeta”, “O Monóculo”, “A Tarde”, e as Revistas “Cá e Lá”, “Redempção”, “Equador”, “Amazonida”, “Cabocla” e da Academia Amazonense de Letras. Escreveu também nos jornais “Vaticano” e “Radical” (1913-1914) em Fortaleza e na “Gazeta de Noticias” do Rio de Janeiro (1921) e depois em rede nacional dos Diários Associados. Em 1926 foi Diretor da Imprensa Oficial do Estado.
Era a pena que construía na prosa imagens que só aos poetas é possível compor, em ritmos que encantavam, com paciência, sem sofreguidão, a edificar senão uma escola de jornalismo, como outros do seu tempo, mais a construir uma linguagem e uma relação próprias com o leitor pela clareza, perfeição e estilo.
Mesmo no exercício da Interventoria Federal, anuncia Genesino Braga – o sábio que perdemos, ter sido ele o primeiro a se inscrever como profissional de imprensa ao tempo da organização do Ministério do Trabalho e a conseqüente regularização da profissão.
É oportuno ressaltarmos a opinião que proclamava a respeito do valor e da necessidade da imprensa, quando afirmou:
“Dentro do respeito a lei e aos cidadãos nada como o jornal para instruir a mocidade e orientar a opinião pública, promovendo-lhe o clima da ordem, da segurança e a tranqüilidade. Nunca insultando, mas ponderando; nunca ofendendo, mas advertindo; nunca confundindo, mas esclarecendo – assim cumprirá a Imprensa a sua grande missão, como necessidade social do mundo moderno”.
É o jornalista por excelência Aristophano Antony que em sua obra “Sombras e Reflexos” sintetiza a presença de Álvaro por entre as redações e velhas linotipos na simplicidade e fulgurância com que cumpria sua missão de jornalista.
“Foi no convívio das redações que nasceram seus primeiros versos, nos quais se mostrou sempre um ourives admirável e os seus conceitos literários, que são primores de forma e estilo. Dessa escola, onde os presunçosos naufragam e se anulam, saiu o espírito harmonioso, o pensador e o parlamentar, que exerce, com autoridade e cintilância, a sua relevante função jornalística. Essa, finalmente, a profissão que escolheu, e que sabe dignificar com critério, e enaltecer, com talento”.
COMO ERA GOIABAL
A ninguém, melhor do que Álvaro, poderia caber descrição do sítio em que nasceu e se criou, lugar de paz para onde se recolhia sempre e sempre, a valer-se dos lagos e igapós, das frutas e dos outros filhos da terra para retemperar o ânimo, reconforta o coração e sorver vida. Do extrato que fizemos do livro “Nas Barras do Pretório”, vindo a lume em 1958, tem-se o retrato fiel daquele recanto silencioso encravado na selva:
“GOIABAL, pequeno sítio-seringal a margem esquerda do Madeira, a três horas de Humaitá, possui dez estradas, árvores frutíferas, roças, criações, pertencentes a uns 60 moradores abrangendo meninos ( )
Havia um velho barracão de palha, arrastado pela terra-caída. Impunha-se a construção de outra casa, no sistema do interior.
A madeira, 1.500 palmas, esteios, cedro, itaúba, aquariquara, foi cerrada no sítio, farto em árvores-de-lei. A casa, coberta de zinco, foi levantada pelos senhores Álvaro Brasil Barbosa, residente no rio Machado, e José da Silva Maia, proprietário de um pequeno estaleiro ( ). Foram aproveitadas madeiras e parco mobiliário do antigo barração, a iluminação, como de qualquer barraca, é a farol e lamparinas, não possui um simples motor de popa ( )
Há umas vinte cabeças de gado, galinhas, porcos, roçados: nada me pertence”.
Era mesmo a confissão de bens que fazia, com pureza de forma singela, para confrontar com as agressões que sofreu, anos a fio, em silêncio, somente respondias em obra literária em que destruiu tudo que lhe assacaram.
OPINIÃO DOS CONTEMPORÂNEOS
Poucos líderes foram tão combatidos como Álvaro, por isso o testemunho dos que com ele conviveram, vivenciaram o seu tempo de poder e de mando, de fulgurância intelectual, de modéstia permanente, de apogeu político, deve servir não só para exaltar a sua personalidade e o vulto magnânimo, sábio mesmo, mas para dar a cor da verdade que o ânimo exaltado dos opositores, ferrenhos opositores, subtrai da vida pacata que sempre levou, quase beneditina, recolhida.
Apanho, sem muito escolher, entre as anotações que possuo algumas amareladas pelo tempo, e lanço ao conhecimento dos que agora buscam saber mais e mais sobre este grande brasileiro.
A descrição precisa de seu porte, encontramos em João Nogueira da Mata, na visão que contemplava o Mestre em 1929:
“Era ele a esse tempo um homem em plena exuberância intelectual, robusto, corado, com os cabelos castanhos e bastos a lhe emoldurarem a cabeça de pensador. Esmerado em trajar ternos claros de tropical ou de linho, bem talhados. Tipo acabado de líder, de sorriso franco e idéias cristalinas”.
Sua relação com o eleitor, o povo com um todo, e os políticos, tem realce nas expressões de Waldir Garcia, na obra única que nos legou em forma de livro, “A Sombra dos Igapós”, embora tenha construído mentalidades novas e típicas, nas salas de aula que freqüentou por quase meio século:
“Impunha-se ele pelas suas qualidades de “condotieri”, com seu verbo fácil, que sabia modular às circunstâncias ambientais: falava a linguagem do caboclo do interior, da gente pobre dos bairros de Manaus, e a linguagem fulgurante dos parlamentares, a linguagem preciosa das academias literárias. Mas sabia, sobretudo, respeitar os adversários, os quais, se quisesse, poderia queimar com as áscuas do seu poderio verbal”.
Era assim mesmo. Orador fluente para qualquer auditório. Encantamento de idéias. Presença embelezadora. Musicalidade oratória. Assim também o viram Sebastião Norões e Assis Chateaubriand, que traduziram como poucos esta presença alvarista no seu tempo.
Diz Norões:
“Não me recordo de ter ouvido um discurso vazio de Álvaro Maia. E quando improvisava tinha-se a impressão que ele preparava o discurso, porque sua linguagem era sempre anxuta, limpa e bonita”.
Ao que arremata Chateaubriand com a isenção dos que o conheciam exclusivamente pelo saber que espargia:
“… Não tira dó de peito, mas desenha bemóis de veludo e seda…”.
O POETA
São muitas as facetas do escritor. Poeta, entretanto, foi dos maiores. No verso e na prosa, na tribuna e nas conferências, na imprensa e nas conversas miúdas, em tudo construía o encanto poético, mas em sua poesia está sempre presente, como em tudo que escreveu, o vínculo maior com a terra, com a caboclitude sem mediocridade.
“Ao rever a ampla selva em que folguei menino, sinto meu coração fundir-se em brônzio sino, como si a terra fosse uma igreja, uma aurora, e o meu corpo em delírio uma torre sonora… às ilusões da infância, a minha vida acorda, cada sentido é a força e cada nervo é a corda, que me levam no rio – áurea flor de bubuia, na estranha languidez de uma branda aleluia…”
A ATUALIDADE DE ÁLVARO
Há trechos inteiros de pronunciamento políticos, conferências, artigos, ensaios, discursos, produzidos de há muito, que bem caberiam diante dos fatos que, ainda hoje, nos assustam e inquietam como este primor de realidade:
“… A crise de trinta anos desarticulou as bases latifundiárias, em que se assentava o esquema da borracha, determinando a falta e o desvio das rendas nos municípios, cujas sedes tornaram ao abandono e à ruína, com ruas inteiras reconquistadas pelas selva. A capital absorveu os minguados créditos, nas nervosas da politicagem, as prefeituras figuravam como postos escravizados pelo senhor implacável, que era o Estado. “(Conferência Intermunicipal de Economia e Administração, Manaus, junho. 1942).
Ou este primor que se refere à liberdade e ao desenvolvimento real do país, recolhido da conferência “Na manhã do Centenário”, proferida em Belém a 19 de março de 1922:
“… Falta muito, é verdade. Independência real não se restringe a um grito e a uma bandeira, a uma guerrilha e a um arroubo…”.
Isto sem falar na sua majestosa “Canção de Fé e Esperança” mais difundida e extremamente atual, como um hino miracular capaz de reconduzir o homem amazônico ao encontro de suas verdades tropicais, a confiança no futuro que não pode mais tardar.
É bom reconstituir, ainda que em breves trechos, o pensamento do escritor no conflito interminável que se estendeu por toda a vida entre sua essência original – poeta, sonhador, espiritualista, visionário ao mesmo tempo, e o político, na forma como se exprime no seu “Gente dos Seringais” em 1956:
“Tudo é superior à cidade, na monotonia dos seringais, a alimentação, a temperatura, a gente. Como viver entre quatro paredes, ou nas ruas, em cidades onde não se ouve galo cantar, nem rio correr, nem água e frutas à vontade? Como resistir e não pecar no meio de falatório, de intriga, de politicagem?”
O AMOR FILIAL
Para recolher melhor a imagem do filho sempre apaixonado a proclamar o amor maternal, basta o trecho do mesmo livro, em que narra com magia especial o momento de contemplação que teve diante de sua mão ajoelhada a rezar:
“… Via-se certa noite debulhando o seu rosário, ajoelhada em frente ao oratório de cedro, semi-iluminado por um Jesus e um São Sebastião fosforescentes. Os cabelos brancos argentavam; os dedos magros percorriam as contas, em lentas carícias de Ave-Marias. Às cintilações da imagens sacras, os cabelos luziam mais”.
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