Farra do patrimônio
“Como e por quem será cumprido o objetivo de preservação do bem “tombado” como patrimônio cultural da nossa sociedade? E mais: o que sucedeu, de fato e de concreto, na defesa dos “bens” que já foram objeto de leis semelhantes?”.
Quase todos os dias tenho lido, nos mais variados meios de comunicação moderna, notícia dando conta de projeto de lei de iniciativa parlamentar considerando patrimônio histórico imaterial vários “bens” que seriam representativos de nossa identidade amazonense ou manauense.
Com todo respeito pelos autores e parlamentos que têm aprovado tais medidas, tomo a liberdade de considerar que o fato está se transformando em verdadeira “farra patrimonial”, posto que, embora haja boas intenções em todos os casos, eles não atendem ao mínimo exigido na legislação federal que rege a matéria.
Vem à minha lembrança as primeiras propostas apresentadas neste sentido quando, em manifestação escrita, ainda como secretário de Estado de Cultura e com apoio de equipe técnica bem formada, demonstramos a necessidade de ser dispensada, no mínimo, melhor atenção a tais proposituras exatamente porque traziam vício de origem e mais, poderiam vulgarizar e descaracterizar esse importante instituto de defesa do patrimônio cultural.
A inscrição de qualquer bem cultural como patrimônio de uma comunidade requer o preenchimento prévio de inúmeros requisitos legais, mas, principalmente, estudo rigoroso, técnico e prévio dessa característica essencial para sua inscrição em livro próprio e o continuado cuidado do Poder Público para que esta
medida seja efetiva e eficaz.
Neste sentido, a simples impressão por parte de qualquer instituição ou agente político ou público de que tal ou qual “bem” está carregado dessa identificação primordial característica de identidade local, regional ou nacional, não basta, nem poderia bastar em qualquer circunstância, para que haja projeto de lei, aprovado e sancionado pela autoridade competente.
. De onde viria esta impressão? Do próprio Interesse do autor? Quais grupos da sociedade/comunidade em que ele é mais difundido o considera como tal? Como isso foi aferido? Quantas audiências públicas foram realizadas para este fim? Onde estão os estudos técnicos que demonstrem e comprovem como a comunidade considera o referido “bem” em relação ao qual há interesse de “preservação na memória coletiva”?
Mesmo não sendo ambiente apropriado para discussão aprofundada da matéria, que é de fundo acadêmico e científico vinculada a estudos do Direito Cultural que vem se consolidando gradualmente no país, cabe uma pergunta: como e por quem será cumprido o objetivo de preservação do bem “tombado” como patrimônio cultural da nossa sociedade? E outra mais: o que sucedeu, de fato e de concreto, na defesa dos “bens” que já foram objeto de leis semelhantes?
Não só no campo do patrimônio imaterial como também no que se refere a patrimônio material ou edificado tem havido, nos últimos anos, providências de tombamento que considero inócuas, ou feitas para “inglês ver” como se diz na gíria que anda quase em desuso. Assim tem sido porque as leis que tratam dessas matérias não estão respaldadas em estudos técnicos adequados, elaborados de forma sistemática e científica, com base nos fundamentos constitucionais e infraconstitucionais de regência, tornando-se, por isso mesmo, aquilo que se costuma falar como “chover no molhado” no sentido de seguir repetindo as mesmas coisas.
Não se diga que sou contra o tombamento como patrimônio cultural, material ou imaterial, porque sou o autor de todas as leis estaduais e municipais de Manaus sobre a matéria e estive dedicado ao tema quando secretário de Estado e na Universidade do Estado do Amazonas por ocasião do mestrado.
Seria muito bom que tudo fosse feito conforme as normas e as leis, para surtir os efeitos claramente desejados.