Falando aos Marinheiros
A soberania das Nações e a integridade dos territórios pátrios estão asseguradas pela honra e pela coragem dos bravos cidadãos que, no desenrolar da História, sobranceiros, impuseram e impõem a magnanimidade diante do adversário vencido, mas também reagem pela defesa do solo e pela ação destemida nas horas mais cruéis das guerras e das batalhas.
Autoridades
Senhoras, Senhores
Marinheiros – herdeiros de Tamandaré, Barroso e Marcílio Dias,
Curvo-me diante de vós e aos pés da História para rememorar o feito ardoroso de brasilidade hoje comemorado – a vitória das liberdades nesta parte do Mundo: a Batalha Naval de Riachuelo.
11 de junho de 1865 – 08h30min da manhã. O Vapor MEARIM, movido a hélice e de 8 canhões, componente da frota brasileira, colocado como prontidão avançado, iça o sinal de “Inimigo à vista”, porque divisou ao longe toda a esquadra paraguaia que descia o rio Paraná a toda força, rumo à posição de nossa esquadra que estava situada em linha, do lado do Chaco, a quase igual distancia da cidade de Corrientes e das barrancas de Riachuelo.
A esquadra inimiga passa ao longe e toma posição em frente às bocas de Riachuelo, onde López, ardilosamente, havia mandado construir baterias de terra que só então foram descobertas. Em resposta ao aviso primeiro e assombroso, o AMAZONAS, nave capitânea dos brasileiros, disparou imediatamente o sinal de “Preparar para combate”, o que movimentou a esquadra o quanto pôde, apesar do inesperado do fato. Não houve tempo para que impedíssemos a movimentação quase livre dos paraguaios, mas ao depois, não esperamos por nada – descemos ao encontro do inimigo. Preparados, receberam a esquadra imperial com fogo de fuzis e de canhões, que eram 22 de campanha e sem parapeitos, de calibre variando de 4 a 18 libras, contra 9 barcos que carregavam 59 canhões ao todo, belos vapores de guerra, com infantaria a bordo além de suas tripulações.
Já na passagem dos barcos de López, à jusante da divisão brasileira, perdeu o inimigo o barco “Jejuy”, com dois canhões de roda, que teve a sua caldeira atravessada por uma certeira bala das forças nacionais.
Os 500 homens escolhidos diretamente por Lopez, junto ao 6º Batalhão, e que dele ouviram preleções especiais no dia anterior, tinham uma orientação segura: feita a abordagem, avançarem para, na luta corpo a corpo, venceram pela força hercúlea, aos nacionais. A esta tentativa, foram vencidos também, ora pela audácia dos brasileiros em enfrentá-los, ora pela astúcia em conduzir os barcos.
Avançamos, entretanto, para o ponto escolhido, sem que dele soubéssemos, pelo Capitão Mesa por ordens de Lopez, e não será possível a qualquer historiador, por mais apurado que possa ser oferecer uma descrição exata do assombroso combate. Ao virar águas abaixo, em ponto mais estreito do canal, o nosso barco “Jequitinhonha”, avançou muito e sendo alvo de projetistas inimigos, encalhou num banco de areia da margem oposta, diante da artilharia de Bruguez – os 22 canhões de campanha estrategicamente instalados naquele ponto. Lutamos o dia todo, e só ao chegar da noite nossa tripulação abandonou o barco, depois de ingentes tentativas de desencalhá-lo para reboque. O fogo inimigo já havia silenciado.
Três navios paraguaios – Tacuaí, Tequari e Salto, atacam o barco nacional PARNAIBA, sendo o primeiro rechaçado por fogo de metralhas. O Comandante Aurélio Garcindo lidera então a defesa contra os tripulantes que invadem seu convés, na maioria índios que, armados de machadinhas, sabres e revólveres, vorazmente atacam nossa gente. Pela popa do PARNAÍBA o Marquês de Olinda da frota paraguaia derrama novos invasores, e ao cabo de uma hora de luta desigual o inimigo desce a bandeira auriverde, mas a tripulação continua a defesa, desta feita imprensada na popa quase no desespero, quando o navio capitânea – O AMAZONAS, acompanhado do MEARIM e BELMONTE, totalizando força de 22 canhões, socorrem ao PARNAÍBA com farta artilharia que diziam três – quartas partes dos paraguaios a bordo e reanima a tripulação brasileira que expulsa e mata o restante, vencendo-os. Eram duas companhias do 9º Batalhão brasileiro que estavam neste barco, comandadas pelo Capitão Ferreira, morto em combate.
A luta continua. Nada se podia prever. Não havia ainda vencidos nem vitoriosos, todos eram guerreiros ferozes em defesa da vida e dos ideais que defendiam a honraram com seu sangue.
O gênio e a bravura de Barroso, diante do espetáculo e movido pela vontade profunda de vencer e dignificar mais uma vez a Pátria, certificando-se da força do capitânea e da profundidade do canal o arremeteu contra os navios inimigos, pondo a pique o “Jejuy”, encontrado fundeado quando subimos o rio, promovendo o mesmo com o “Marques de Olinda”, e depois o “Salto”, com pleno êxito na operação.
O “Paraguai”, já abalroado, golpeado ao meio, ficou quase desativado para ação militar.
O canhoneiro pesado durou quase o dia inteiro e a fuzilaria um pouco mais, mas a ação corajosa do grande comandante impôs derrota fragrante aos paraguaios em cerca de 10 horas de lutas, do que resultou que o nosso “Belmonte” com vários furos abaixo da linha de flutuação tivesse que ser levado para a margem a fim de que não afundasse, mas lhes valeu – aos paraguaios, o afundamento do “Jejuy”, o arrastamento correnteza abaixo do “Marquês de Olinda” que teve suas caldeiras atravessadas a bala de canhão, o “Tacuari” que escapou, destroçou-se em parte com uma granada de 68 que he arrancou a cobertura da caldeira, o “Igurey” atingindo também em uma das caldeiras, conseguiu, muito mentalmente, afastar-se do cenário de luta, o “salto”, com a caldeira feita em pedaços, encontrou-se no “Marquês de Olinda” rio abaixo com quase toda a tripulação morta ou ferida.
A inesperada ação de Barroso – corajosa iniciativa, própria de um bravo lutador e um preparado homem dos mares, pôs em fuga o restante da esquerda paraguaia, que embora lentamente, como pôde, afastou-se do teatro de operações, seguida, ao longo de algumas milhas, pelo AMAZONAS, da frota brasileira, que não os quis perseguir.
Na verdade a esta história, não cabe controvérsias. Porém, os falsos historiadores intentaram contra ela, sendo desencorajados e contrariados pelos próprios fatos, em sua época. Duvidou-se da autora das ordens Argentina e que estava ao lado de Barros. Este lamentável incidente histórico ficou já de há muito esclarecido, pois o próprio Barroso, em 1877 requereu inquérito no porto de Montividéu quanto tudo se esclareceu pela próprio depoimento do Gustavino. Não compreenderam alguns pretensos estudiosos, o gesto digno de Barroso em não perseguir os destroços da esquadra de López, quando poderia tê-la levado completamente a pique, executando matança ao invés de luta heróica brava a que nunca fugiu o Almirante. Também assim se vence uma batalha e nestas horas, exige-se do comandante, não a coragem e bravuras cívicas em enfrentar os perigos das lutas, mas a consciência e o espírito humano dos vitoriosos que respeitam os vencidos. Também assim, ele foi comandante e herói e, sobretudo, valioso para nossos corações e espíritos nacionais.
Não foi só vencer em Riachuelo, a honra e a glória da Marinha Imperial do Brasil. Ao vencer a sangrenta e ardilosamente preparada batalha aos paraguaios, nossa esquadra decidiu a sorte da Guerra, pondo por termo a toda estratégia de López para dominar esta América, que se pôs então em defensiva, até o fim da guerra, o que só se daria com sua morte.
Nesta página da História, aqui relembrada com a crueza com que se desenhou no teatro da guerra, perdemos 104 militares, entre os quais 7 Oficiais, e mais 20 outros que ficaram desaparecidos, além de 123 feridos, dos quais 15 eram Oficiais, principalmente aqueles que, a bordo do PARNAÍBA, defenderam a Bandeira Brasileira – o Capitão Pedro Afonso Ferreira, e o Tenente Andrade Maia, das forças do Exercito, e o Guarda-Marinha João Guilherme, que quedaram em tão cruento ataque.
11 de junho de 1981 – 10 horas da manhã. As forças navais sediadas em Manaus, sob a força telúrica desta Amazônia fantástica e de tantos mistérios, e diante de uma beleza colossal das matas ainda verdes de nossa terra, reúnem-se mais uma vez, junto às demais autoridades e à comunidade cabocla, assim como o fazem em todo o Brasil, para rememorar este feito grandioso, e a mim, que vejo amanhecer os 30 anos desde o primeiro sol que me foi dado vislumbrar, competiu a incumbência de proferir esta Fala que, do mais fundo do meu espírito e do mais íntimo do meu coração, confiro, com a permissão de todos, ao velho e combativo marinheiro, o meu monagen pai que, nascido na Bahia, fez dos rios amazônicos sua estrada permanente por mais de 50 anos e deu de si a força, o ânimo, o coração – a vida por inteiro, com dedicação e respeito a esta Arma e aos seus companheiros da Marinha Mercante, força reserva da Armada de seu tempo. Estes mesmos rios – senhores marinheiros, que na missão atual de vossas corvetes, recebem o serviço grandioso de lhes prestai: o da defesa e o da proteção de seu povo, pela ação social, dignificante e marcante, em que se empenha a Marinha Brasileira nesta, como em outras plagas nacionais.
Senhores – a todos vós reverencio com a glória desta vida honrada – a de meu velho e amantíssimo Pai, e com as sábias palavras do Almirante Jaceguai sobre a Batalha, que sintetizam toda a sua importância no contexto da vitória das forças Imperiais e da Tríplice Aliança, naquele episódio: “Foi uma vitória completa, a do Riachuelo, porque da esquerda paraguaia, composta de 14 vasos, só quatro vapores conseguiram escapar por fuga, e estes quase totalmente desmantelados, e ainda porque o vencedor ficou dominando o campo de ação que os paraguaios haviam escolhido. Foi tecnicamente uma vitória decisiva porque todo o poder naval do Paraguai ficou aniquilado naquela jornada”.
Depois do feito, da História e da beleza desta festa, em dia em que a própria natureza amazônica chorou orvalhando com as lágrimas de seu céu resplandecente toda a mata, como que a sentimentar-se pela saudade dos que se foram naquela como em todas as cruentas batalhas de guerra, só cabe ouvir o soar afinado do apito do Marinheiro distante, o entoar mais forte do sinal do barco, o remover das nossas águas pretas que correm em direção à paz, ao progresso e ao completo desenvolvimento nacional e, encantados todos, volvermos às nossas casas com o espírito de brasilidade fortalecido, remoçado mesmo, porque esta terra que é nossa, ainda outras vezes para dar-lhe o sangue de nosso corpo como damos o do trabalho – a vida por inteiro, na defesa de sua integridade porque esta Pátria é Brasil.
Discurso pronunciado nas solenidades comemorativas do 11 de junho de 1981, na se da Marinha, em Manaus, a convite do Comandante Paulo de Paula Messiano.