Na festa de fundação
A trajetória do homem na terra é muito mais significante quando por obras próprias, nele permanece mesmo após a perda da matéria.
A trajetória das Instituições se faz com marcha dos homens no correr da história.
Senhor Presidente do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas,
Autoridades,
Minhas Senhoras,
Meus Senhores,
Ilustrados Consórcios
Creio que a afirmação com que me anunciei nesta festa, na qualidade de Orador Oficial deste Sodalício, representa mais que uma assertiva – uma contemplação histórica que a tradição da vida impõe a qualquer que faça uma reflexão mais sentida.
A reflexão que os 63 anos de existência do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas me levaram a fazer, pelos seus tempos todos, pelos seus caminhos já percorridos, pelo seu futuro, senão pelo seu presente especialmente, dão-me a certeza de que esta Fala deve ser de confiança no exercício de livre consciência histórica e social de um povo do nosso povo.
Sim, porque em março de 1917 um grupo de intelectuais reunidos sob a inspiração organizacional que a Maçonaria lhes propiciava, no desejo ardente de condensar, debater, publicar trabalhos de fundo literário, artístico, geográfico e histórico do nosso Estado, e deixar permanente uma obra deste porte para as gerações futuras, reuniram-se e, reunidos em nome das tradições mais caras do ser humano, da espiritualidade mais elevada, constituíram este Instituto, cuja trajetória luminar está por ser escrita em livre, mas cuja presença sexagenária na sociedade amazonense de na face cultural brasileira, é significativa, inolvidável, marcante e incontestável.
Não há negar que as honras e as glórias destes 63 anos de vida do Instituto se iniciaram logo nos primeiros momentos. A instalação a 13 de maio do mesmo ano de 1917, na sede da Câmara Municipal de Manaus congregou todo o mundo político, cultural e social da sociedade de então, trazia já um significado maior, intrinsicamente definido: a luta pelas liberdades, representado neste gesto de gratidão à Redentora.
Foi desta mesma tribuna que, em sessões anteriores, como esta, os eminentes escritores Pe. Nonato Pinheiro e Rodolpho Guimarães Valle, mestres da palavra e da história, se pronunciaram sobre a vida e a participação do Instituto na história amazonense. Já em outras festas também o fiz, porém, sem o brilho para sucedê-los. Não ouso ainda desta feita, alçar-me a um retrospecto da participação da Casa de Bernardo Ramos, que é esta, no processo de desenvolvimento do Estado. Falei divagações, apenas.
A sua criação foi um gesto de coragem. A busca da consagração para os estudos que a geografia e a história, sempre motivam nos filhos da terra. A sua sustentação na sociedade, marcando um registro sexagenário capaz de não ser esquecido, desconsiderado por qualquer homem ou circunstância, tem sido a obra de gerações seguidas, de dedicados homens e, sobretudo, conseqüência do enorme acervo que se acha nesta Instituição.
Não acredito em Instituição de cultura, em associação literária e principalmente dedicada ao culto da história, quase sempre do passado, que permaneça pelos tempos afora se não conseguir reunir em um só local acervo bibliográfico, etnográfico, bens matérias que imponham aos homens que se sucedem na sua direção, a responsabilidade de preservar o que receberam. Não acredito na sobrevivência secular das obras do homem caso elas não tenham o espiritualismo da verdade. Assim também não creio que as instituições permaneçam secularmente, sem templo próprio para cobrir os homens que a estejam dirigido.
Por isso esta Casa ficou e ficará eternizada. Por isso a recebemos e temos que transferi-la a novas gerações. O seu acervo bibliográfico de cerca de 40 mil volumes, o seu museu etnográfico Crisanto Jobim de peças quase que totalmente recolhidas no começo do século até os anos 20, o seu acervo documental, o seu repositório natural de tudo que aos primeiros olhos parece apenas coisa velha, senão coisa do arco da velha, que tem conseguido fazê-la subsistir às intempéries naturais que afligem qualquer sociedade, mas que os seus vultos eminentes não facilitam para que a destruísse.
Estas divagações feriram, bem sei a forma e o sentido de um discurso para esta sessão. Reconhecido em mim mesmo, o decréscimo de agigantadas afirmações filosóficas, mas buscou ser verdadeiro, para efetivar-se, mais ainda, com a confirmação da necessidade de que a comunidade reconheça esta realidade e imponha ao Instituto não só o respeito que ele merece, mas a sustentação material de que necessita para conservar a história e a tradição, já que o processo tem permitido a usurpação do seu real sentido, e deixado transformar Manaus, principalmente, em uma desfigurada cidade, cuja memória de pouco mais de 300 anos nada representa diante de antigas cidades brasileiras e do estrangeiro, e pouco resta para a confirmação de um passado que, por obras recentes, chega a ser contestado, e argüido a sua validade. Discute-se agora, até mesmo a validade do apogeu da borracha, o valor e a cultura dos vultos do passado. O saber e a coerência de nomes que, para nós, são intocáveis, porém analisáveis por quem realmente tenha condição de fazê-lo. Não se pode compreender o homem fora do espaço social em que vive. Não se pode definir fundo, sem dissecar a sua obra literária. Assim também não se pode medir uma instituição sem percorrer a sua história, ano a ano, momento a momento sem vivenciá-la. Não uma obra “marciana” qualquer.
Compreendo, se creio que compreendo o porquê das criticas que sofreram os homens e as instituições culturais em publicação recente. Não compreendo, e creio que nunca compreenderei porque o espaço cultural literário amazonense ainda comporta estas diferenciações de estágio, saber, de equilíbrio, a não ser que se reafirma a aspiração pelo sentido inverso da aproximação. O namoro que deve ter pelas Academias o escritor, antes de a elas pertencer, e que foi desenvolvido como agressão pelo autor de mal traçadas linhas, agourentas e desafiadoras, que receberam de nós, até aqui, a resposta do silêncio, porque não estão à altura da honra de ouvir de nós, uma resposta concreta. Falo hoje, nesta festa, para mostrar o papel do Instituto, principalmente, e de qualquer instituição cultural que tenha prezado, ao correr dos anos, pela defesa e pelo conhecimento da história, pelo saber e pela pesquisa.
Não o faço pela praxe desta solenidade. Relembro comovidamente, João Rebelo Correa, André Vidal de Araújo, Justino Marcos da Silva, Moacyr de Souza Alves, André de Menezes Jobim, Rodolpho Guimarães Valle, Ildefonso Pinheiro, com alguns dos quais privei intimamente, dentro e fora desta Casa. Alguns puderam dar de si, como realmente desejavam, outra forma atropelados pela agressão da morte, quando ainda o vigor da inteligência e do dinamismo do vigor físico, muito lhes favorecia. De todos sentimos a ausência, como também nos ressentimos da falta de Agnello Bittencourt, Vivaldo Lima, Antonio Bittencourt, Anísio Jobim e tantas que o tempo do passado arrebatou até mesmo sem o contato direto com a nossa geração.
A missão do homem e da instituição, principalmente como esta, é a de preservar a sua memória, ainda que não seja permitido preservar a da sua comunidade, da cidade, do seu povo por inteiro, como está por acontecer conosco. A esta missão o Instituto não abrirá mão. A esta tarefa não nos furtaremos.
Assim, reconhecemos nesta festa luminar, 63 anos depois do 1917, quando Manaus era clama, e praticamente uma só família, a importância da presença do Instituto na sua paisagem social e cultural e cremos mesmo que a trajetória que ele desenvolveu de lá aqui, foi muito mais significativa, porque constituída por obras próprias que permanecem com o apagar das vidas humanas que o fizeram e no ressoar peculiar de sua paredes, onde a tradição, a honra, a sabedoria, a vida eterna tem lugar reservado, poltrona especial, perenidade.
Os ecos desta sabedoria, desta inteligência, desta tradição histórica, por nós e por todos que hão de nos suceder nesta Casa, serão perpetuados como sustentáculo de sua própria existência, em respeito aos sagrados ideais que moveram os criadores deste sodalício.
Bem haja que assim reconheça as verdades da história, e veja nesta Casa a verdadeira consagração do passado e o repositório do presente que há de ser história no futuro.
Bem iluminados os que fizeram e nos ofertaram esta Casa. Benditos e benditos sem todos.