Falando da Abolição
A pureza da raça,
a grandeza do amor,
a beleza da alma
estão na paz de Cristo
e não na cor
Autoridades,
Senhoras e Senhores
Cultos consócios
O redobrar de sinos, o aplaudir com flores o festejar das datas históricas, que hoje se promove em nome da conservação da memória nacional, é a marca com que o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, na simplicidade de seus atos, faz gravar no já avolumado número de notas soltas da História do Amazonas que um dia há de se contar com maestria por Arthur ou outros mestres, festejando o solene e corajoso gesto de Theodoreto Souto ao abolir a escravatura no Amazonas e o primeiro centenário do Corpo de Bombeiros.
Dois grandes acontecimentos, duas justificáveis razões histórias reúnem os sócios do Instituto mais interessados, os intelectuais mais festejados, os homens públicos que mais apreciam a cultura e a ciência histórica. Neste maravilhoso templo que rompe o silêncio dos nossos, constitui defesa do passado, preserva e transmite a tradição do Amazonas e da cultura brasileira, sempre se tem feito, por todos nós, conjunta ou isoladamente, a retransmissão de fatos válidos e dignos de serem apreendidos pelos mais jovens ou pelos menos voltados para a pesquisa da vida da nação. Hoje, por mais uma vez desde 1917, tal solenidade se repete e com o brilho das retumbantes entre as mais popularizadas festas estaduais.
Festejamos o dia da raça liberta, única, solidária, amiga e irmanada no princípio da igualdade de todos perante a Lei, basilar sustentáculo da democracia, da liberdade individual, do progresso social, do bem coletivo. Festejamos em gratidão, a figura do Senhor Theodoreto Carlos de Faria Souto, cearense, Presidente das Províncias do Amazonas e Santa Catarina deputado geral, presidente do Banco do Brasil e Senador e que, em rápido período administrativo nesta então Província do Amazonas completou os sonhos da Maçonaria, de José Paranaguá, das damas da sociedade amazonense, naquilo que se transformaria na sua queda do Governo, a abolição, em praça pública, dos escravos no Amazonas, em 10 de julho de 1884, marco incontestável de evolução do povo desta terra.
Deixemos que o Hino da Cruzada libertadora, de autoria de Enéas Afonso, simbolize o sentimento e a razão da festa.
Águia altiva do século que passas!
Doce filha dos grandes heróis
Solta o verbo de fogo nas praças
Sê bem-vinda do mundo dos soes.
Mocidade arroja-te ao futuro, olha o disco de crença e de amor; não soçobres no mar, palinuro, Vai da glória subir ao Thabor.
Eia, o dia do bem é mais belo.
Não se enturva na noite do crime
É mais santo é mais nobre querê-lo
Tem mais luz, é mais puro e sublime.
Sim, desloca as colunas terríveis.
Deste Templo onde o mal se fez
Otelo,
Sê Sansão destruindo impossíveis
Sob as fúrias do hirsuto cabelo
Eia, a hora do Livre ressoa
Do porvir amanhece a vitória
Toda a selva de luz se povoa
Já se inaura teu nome de glória
Mocidade, te arroja ao futuro
Olha o disco de crença e de amor,
Não soçobres no mar – palinuro
Vai da glória subir ao Thabor.
Escravos e senhores depois daquele dia em vante, sumiam-se na voragem do passado deste prodigioso e abençoado solo, restabelecendo-se a igualdade entre nós.
Liberdade, é o que se festeja hoje, Liberdade, doce emanação divinal que por si só exprime o que há de misterioso de sublime, de eterno. Liberdade, atributo de todos os seres criados e que Deus legou à humanidade para gozá-la, em toda a sua plenitude, mas que esta mesma humanidade usurpou a um punhado de seus semelhantes. Liberdade, ave mil vezes como criação divina. Liberdade, ave, ave, como gesto de Theodoreto Souto, praticado sob as luzes do Grande Arquiteto do Universo, para o bem e a felicidade do povo, para exemplo às gerações seguintes. Amemo-nos, e unamo-nos, para garantir na democracia do Brasil, a paz coletiva, a igualdade dos homens e das nações.
Se foi importante, solene e memorável o gesto de abolir a raça negra na Província do Amazonas, secundando à do Ceará, devemos nós, os pesquisadores da História, lembrar que toda uma campanha cívica se vinha fazendo há longos anos, por toda a sede territorial da Província.
Deixemos que a névoa do tempo seja descortinada de nossa mente, voltemos aos anos de 1889. Poderemos sentir em nós a vibração de amor ao próximo, de liberdade e desejo de exemplo que a sociedade amazonense deseja impor a coletividade nacional.
Na verdade, a situação econômica da Província, o seu envolvimento na estrutura social do Brasil extra Amazônia, permitiam que reduzindo fosse o número de escravos, entre nós. A economia de coleta, necessitava do braço índio, exímio conhecedor das matas e das espécies comercializadas o que oferecia resistência à vinda de grande número de escravos negros. Tem os nossos mais eméritos mestres da História como Agnello, Arthur e Mendonça de Souza, produzido, páginas especiais sobre este evento magnífico e, em todos, se antevê sobre tudo, o especial interesse coletivo, o grande sentimento de liberdade interior que presidia a cada um dos membros da nossa sociedade provincial. Éramos puros nos sentimentos, intocáveis na respeitabilidade pela grandeza moral das raças, irmanadas pela bênção da primeira missão no Brasil e unidos pelo sentimento de valor individual de cada ser.
Ás razões econômicas, assim, unem-se as razões íntimas da família amazonense e promovem, por gestões das damas do Amazonas sob a orientação de Elisa Souto, pela vontade dos homens íntegros, sob o comando de Theodureto Souto, agrupados em diversas sociedades libertadoras, em órgãos da imprensa local, alguns especialmente criados para este fim, por entre festas e flores, a queda da escravatura, abolindo na praça Vinte e oito de Setembro, hoje praça Roosevelt, seguida à da Polícia Militar, todos os escravos no Amazonas.
Muitas foram as vezes que se diminuiu, em campanhas diretas e gestões pessoais, o número de escravos da Província. Aos poucos, graças à sensibilização social que as sociedades emancipadoras iam promovendo, às visitas domiciliares de Dona Elisa Souto, às gestões da benemérita Maçonaria Amazonense, ao entusiasmo dos mais jovens muitos escravos foram libertados de forma isolada. O grande feito ,entretanto, das 12 horas do 10 de julho, fez romper definitivamente e globalizadamente o brado de liberdade pela florestas amazônica e correr pelos nossos potentes rios a marca da escravidão negra, que deve ter desaguado na pobreza dos espíritos mais fracos, dos outros povos, ainda sofridos pelas diferenças sociais e de raça.
Em 13 de maio de 1869, o ilustre Agostinho Rodrigues de Souza apresentou um aditivo ao orçamento, mandando despender quantia especial para a libertação de escravos e sujeitando cada escravo para cá trazido, só ou por seus senhores, ao pagamento de imposto.
Em 6 de janeiro de 1870 ,é fundada, em data de festas da criação do Ateneu de Artes, a Sociedade Emancipadora Amazonense, à frente, Augusto Elísio de Castro Fonseca. As gestões prosseguiriam lentas, mas em verdade, em apenas 77 dias a revolução em defesa da abolição, se realizou, pacificamente, e sob aplausos gerais.
O movimento de abolição foi iniciado em 1866, com a orçamentação de dez contos de réis para que se pudesse fazer a emancipação de escravos, preferencialmente menores. Em 1870 fundou-se a Sociedade Emancipadora Amazonense a quem competiu iniciar a campanha de forma mais intensa. Anualmente eram votados pela Assembléia Provincial recursos com os quais se libertavam escravos. Em 1871 a mesma Assembléia determinaria recursos para a libertação “do ventre daquelas mães que, por seu estado de saúde, estivessem em estado de procriarem”.
Uma taxa de Cr$ 500,00 foi votada que pudesse ser introduzido escravo na Província. Outras sociedades, com o mesmo fim, eram fundadas, “Libertadora Cearense”, “Primeiro de Janeiro”, “Libertadora Vinte e Cinco de Março”, “Cruzada Libertadora”, “Clube Abolicionista Manacapurense” e “Libertadora Codajaense”. Os jornais diários abriam colunas especiais em defesa da abolição e órgãos especiais foram criados, para expandir a idéia como o “Abolicionista Amazonense”, mantido pela Loja Maçônica “Amazonense” e pela “Libertadora Vinte e Cinco de Março”. As senhoras de Manaus formavam grupos como a “Amazonense Libertadora” e promoviam festas em 1870, com a “Emancipação Amazonense”, no Paço da Câmara Municipal, por entre palmas e flores, para conseguir recursos e libertar escravos. Seis meses antes da emancipação dos escravos, pelo Ventre Livre, nós já havíamos adotado tal medida. Em 1881, no Rio, sob a Presidência de JOAQUIM NABUCO, foi fundada a “Sociedade Brasileira contra a Escravidão” e a Presidência honorária coube a SALDANHA MARINHO Deputado Geral pelo Amazonas, como reconhecimento ao grande trabalho de desenvolvimento nesta região, em defesa da abolição.
Declarada a abolição, na praça Vinte e Oito de Setembro, THEODORETO CARLOS DE FARIA SOUTO – o abolicionista no Amazonas – pronunciou as seguintes palavras, ao transmitir o cargo de Presidente: “A Província do Amazonas está redimida, no dia 10 do corrente foi esse conhecimento o maior de sua história, solenemente declarado, lavrando auto no livro de instalação da Província que, remeti, por cópia, a S. Exmo. Sr. Ministro da Agricultura. Tudo se fez em nome da Lei, em observância das suas prescrições, em perfeita calma e tranqüilidade, com o concurso eficaz dos sentimentos do povo amazonense”.
Para completar os festejos do acontecimento, foi fundado em Manaus, nessa ocasião, o Asilo Orfanológico ELISA SOUTO, precursor do atual Instituto Benjamin Constant e, em verdade, a Província estava livre, todos os cidadãos iguais na sociedade.
Discurso na solenidade oficial do IGHA – comemorativa dos Festejos do dia 10 de julho de 1976, Manaus, comemorativo d abolição da escravatura negra no Amazonas.