Cabeleireiro francês
Esbanjando competência e conhecimento por lugares nunca dantes navegados pela maioria dos residentes […], o Jorge Petrus era, capaz de conversa com boa fluência […], deitando falação a mais não puder”
Em tempos em que a moda e os modismos batem à nossa porta de forma intensa e desesperada pelos mais diversos meios e modos, fazendo – de tudo para provocar o mais elevado consumo possível, vale trazer ao cenário atual algumas poucas notícias que agitavam a vida das senhoras e senhorinhas da “belle époque” amazonense, lá pelos idos de 1877, quando a economia da borracha começava a dar sinais de prosperidade, e, para algumas famílias, o luxo e esbanjamento ameaçavam superar qualquer referência de sanidade.
Por aqui aportou um respeitável senhor a que chamavam de Jorge Petrus fazendo instalar bela loja para cuidar dos cabelos com “asseio, gosto e perícia”, conforme anunciavam os jornais da época. O dito cujo era também barbeiro especializado nessas artes de transformação, atuando para renovar coques antigos, cachos, tranças o que mais tivesse a cliente, sempre ao gosto e moda de Paris, como bem apetecia aos moradores das florestas manauenses, já naqueles anos.
E como se não bastasse, o tal do francês que em pouco tempo transitava com desenvoltura nos melhores cantos e recantos da cidade, e também especialista no preparo de milagrosas brilhantinas prontas para servir ao luxo e saúde dos cabelos masculinos. Os seus produtos possuíam propriedades especiais para dar conta da caspa, funcionando como preservativo para e se problema. Para concluir o tratamento o qual farmacêutico se valia de outras fórmulas e largava no mercado de requintes os shampoos ame canos, muito bem aceitos pela população que podia dispor de algumas pratas a mais para satisfazer vaidades além das primeiras necessidades.
Esbanjando competência e conhecimento por lugares nunca dantes navegados pela maioria dos residentes na quase taba que começava a se transformar em cidade e capital, o Jorge Perus era capaz de conversar com boa fluência em língua portuguesa, inglesa, russa e no seu bom francês, deitando falação a mais não puder, sempre de modo a influenciar seus clientes para maior consumo dos serviços e produtos exclusivos.
Na pequena região de qualidade da cidade lá estava a bela loja por ele montada na Travessa da Imperatriz, tendo como referência a casa de trabalho do Tabelião Olímpio, atual Rua da Instalação da Província, área nobre e chique, bem conhecida, de modo a facilitar o acesso aos seus prestimosos serviços.
E a moda era mesmo copiar Paris, desde antes daqueles anos, logo quando a borracha começou a dar saldos em libras esterlinas e a estimular mil e uma peripécias aos novos ricos. As aulas eram particulares e em casa de professoras bem qualificadas; baile masque na casa de Pigarrilho; festas em grandes e espaçosos salões ricamente adornados; música de qualidade com polcas, quadrilhas, delirantes valsas, mazurcas, pausadas varsovianas, alegres schotysks, modernas cracovianas e o suspira do Kankan. Para completar o traje em alta moda havia chapéus italianos para senhoras e meninas, pentes sofisticados para bailes, leques de sândalo, espartilhos com molas reais, cintas com fivelas em gorgorão de seda de Macau, e, em tudo e a qualquer hora, biscoito inglês, vinho e licor francês e vinho do porto.
E o elegante francês cantou de galo, ditou moda e faturou alto por entre as damas e senhorinhas da acanhada cidade de Manaus provincial.
Texto publicado originalmente na edição do dia 20 de junho de 2015.