Outras cores de Manaus
“Os painéis de cores davam efeito, especial e quando, o sol se punha varrendo o casario, refletia em nossos olhos aquela luz encantadora que ia se pondo lentamente para dormitar no horizonte .
Andei pintando a nossa cidade de cores fortes de saudade, dor e agonia como um espelho da verdade, mas não esqueci de anunciar as flores que, por certo, ornamentam o passado e o seu presente e poderiam ser em maior quantidade e beleza se todos déssemos as mãos para cultivá-las.
Nas cercanias dos anos 1970 – não faz muito, portanto -, o casario do centro antigo ainda estava bem composto e ornado de muitas cores vivas, fosse nos sobrados ou nos janelões, na pequena Casa da Rua do Barroso por onde andou Gonçalves Dias, nas vilas da 24 de Maio, Saldanha Marinho e Joaquim Nabuco, nas harmoniosas vias de Marcilio Dias, Dr. Moreira e Guilherme Moreira, na soberba Rua cio Marechal Deodoro e até mesmo pela Rua dos Barés e barão de São Domingos por onde caminhavam pessoas de vida mais simples.
Os painéis de cores davam efeito especial e quando o sol se punha varrendo o casario, refletia em nossos olhos aquela luz encantadora que ia se pondo lentamente para dormitar no horizonte.
Muitas e muitas vezes eu vi, pequeno que era, no sobradão da Marcílio Dias, número 123, onde morava, aqueles raios fumegantes beijando os murais da rua e invadindo nossa casa como se fosse ficar para sempre.
Outro dia, nem sei mais quando, fui visitar a casa da minha meninice levando a tira colo meu filho mais novo, para mostrar de onde sonhei com o futuro.
Encontrei-a com as mesmas janelas e portas, mas os vizinhos, coitados, em terra arrasada, sem “eira nem beira” e com cara de nada.
Quase me perdi naquela babel de desordem, embora saiba que já foi muito pior. Como era elegante aquela rua de saudosa memória.
Desci um pouco para. ver de perto a Praça Adalberto Vale e o pequeno busto que homenageava esse importante político e empresário e com o qual eu conversava como se fosse gente igual a mim. Não foi surpresa constatar que o busto sumiu.
Olhando ao lado, o prédio do Hotel Amazonas com sua varanda tropical, elevador panorâmico e um entra e sai sem parar, também se perdeu no tempo.
Tive pena ao ver o cortiço em que se transformou o “point” mais charmoso da cidade, e pensar que foi inaugurado com pompa e circunstância e por muitos anos sustentou o turismo em nossa terra, recebeu príncipes, reis, barões e presidentes. .
Ainda bem que não fui procurar o sorvete do “Castelo de Bronze” porque este derreteu pela sanha dos que queriam ganhar dinheiro fácil com os alugueres dos prédios que passaram a servir a lojas de bugigangas instaladas no começo do porto livre. Do velho e agradável Messias, ninguém fala mais.
O que ainda encontrei com algum sinal do passado foi a “Casa do Trabalhador”, prédio que foi sede da União Sportiva Portuguesa e depois de muita pressão dos sindicatos foi doado aos trabalhadores.
E como os desportistas não queriam sair apesar da lei e das ordens do chefe de Polícia (o Rui Araújo), meu velho pai comandou a invasão e tomada do casarão para instalar a assistência médica e social aos operários de Manaus.
E foi tão grande a turumbamba que ainda merece ser contada em prosa e verso para que todos saibam que não foi fácil vencer as resistências das elites e dos patrões e conseguir organizar os sindicatos, mesmo ao tempo de Vargas que diziam ser pai dos pobres.
Fiquei parado no tempo olhando para todos os lados e procurando as cores da Manaus que. eu conheci quando por ali andava observando com cuidado cada pedaço de chão, falando comigo mesmo e com os botões que atavam a farda do meu Grupo Escolar “Antônio Bittencourt”, e parece que foi ontem.
Só sei que passou, confesso, porque Manaus mudou demais e faltam pedaços em mim, como faltam pedaços’ na cidade em que nasci. As cores de Manaus não são mais as mesmas.